Turismo étnico: uma imersão no patrimônio cultural de um povo
Quando viaja, você adora conhecer as tradições e o estilo de vida dos povos locais, questionar suas concepções de mundo e aprender com o diferente? Então você provavelmente curte o chamado “turismo étnico”.
Nessa prática, a principal atração turística não é um lugar em si, mas o modo de vida e a história de uma etnia. Segundo o Ministério do Turismo, “esse tipo de turismo envolve as comunidades representativas dos processos imigratórios europeus e asiáticos, as comunidades indígenas, as comunidades quilombolas e outros grupos sociais que preservam seus legados étnicos como valores norteadores de seu modo de vida, saberes e fazeres”.
O turista que procura esse tipo de viagem tem a oportunidade de entrar em contato com visões de mundo além da cultura dominante. Isso pode ser feito através da conexão direta com pessoas de uma comunidade, conhecendo sua história em primeira mão, participando de atividades do seu dia a dia, vivenciando suas manifestações populares e muito mais.
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Benefícios do turismo étnico
Se bem planejado, o turismo étnico pode trazer diversos benefícios pra as comunidades anfitriãs. Como ressalta essa matéria do Nexo Jornal, “O turismo étnico é hoje um instrumento importante para a autossuficiência de algumas comunidades quilombolas no país e de valorização do patrimônio histórico, cultural e natural de populações negras e indígenas”.
Olha só alguns exemplos de vantagens do turismo étnico pra quem o oferece:
1. Mais valorização da identidade cultural por parte do próprio grupo
Ao receber visitantes interessados na sua cultura, os anfitriões podem se sentir mais motivados pra enxergar o valor das tradições locais, que muitas vezes são desvalorizadas pelo nosso sistema socioeconômico. De acordo com especialistas, isso pode ajudar a fazer com que as novas gerações mantenham vivas as memórias e costumes daquele povo.
“O turismo (…) pode revitalizar o orgulho étnico dos seus membros, especialmente dos jovens, frequentemente discriminados pelas sociedades regionais”, disse o professor Rodrigo Grünewald em entrevista sobre o assunto no site Mobilizadores (a página está hoje fora do ar).
2. Preservação da memória e representatividade
Além disso, essa é uma importante oportunidade pra cada povo contar sua história pelo seu próprio ponto de vista. O que, no caso de grupos historicamente oprimidos como negros e indígenas, não acontece com frequência. Ouvimos quase sempre o lado dos poderosos.
No turismo étnico, a comunidade em questão tem o controle da narrativa sobre suas vivências. “Ao narrarem suas lutas históricas através do turismo, do passado escravista às dificuldades que encontram para vender o que produzem, os quilombolas conquistam, à medida em que os visitantes têm contato com essa trajetória, aliados para as suas demandas”, reforça o artigo do Nexo que mencionei acima.
3. Geração de renda com protagonismo da comunidade
Muitas das pequenas comunidades étnicas no Brasil passam por sérias dificuldades de subsistência. Nesse contexto, o turismo pode ser também um ótimo recurso pra o desenvolvimento socioeconômico local. Em muitas comunidades, a renda obtida através do turismo permite que os moradores possam continuar vivendo no seu lugar de origem e mantendo seus hábitos culturais, em vez de ter que buscar emprego fora dali.
Os limites da mercantilização
O ideal, no entanto, é que sejam respeitadas as premissas do Turismo de Base Comunitária, que prevê o protagonismo da população local e coloca as necessidades da comunidade em primeiro lugar.
A ideia é ir na contramão do turismo de massa, que foca apenas no lucro e oferece experiências padronizadas pra um grande número de pessoas. O que muitas vezes acontece, nesse caso, é a mercantilização das culturas locais, ou seja, um processo em que as tradições daquele povo são ofertadas de maneira artificial pra agradar aos visitantes.
Fazer turismo étnico não é visitar comunidades consideradas “exóticas” pra fetichizar seus moradores, tratar o lugar como um zoológico e publicar fotos nas redes sociais. É essencial lembrar que o bem-estar dessas pessoas deve estar em primeiro lugar.
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E é claro que os benefícios de um turismo étnico e responsável não se limitam à comunidade que recebe os turistas. Quem participa dessas iniciativas leva pra casa souvenires dos mais valiosos, como aprendizados sobre outras culturas e quebras de preconceitos.
Esse tipo de turismo é, inclusive, uma boa resposta à crescente demanda por experiências consideradas “autênticas”. Afinal, muitos viajantes não têm mais interesse em itinerários superficiais e vivências maquiadas. O turismo étnico é, assim, uma das muitas formas de viajar com propósito.
Falando nisso, um dos perfis de viajantes que procuram o turismo étnico é o de pessoas em busca das suas origens. Isso acontece muito, por exemplo, com viajantes negros que buscam se aproximar da sua ascendência através do afroturismo.
Mas o turismo negro está longe de ser algo voltado só pra quem se identifica como tal. Muito pelo contrário, aliás. Como branca, acredito que é essencial ampliar nosso olhar pra culturas diferentes daquela dos nossos colonizadores, que foi tida como a norma.
Afinal, boa parte da nossa história vem sendo esquecida ou escondida há mais de 500 anos, e isso tem tudo a ver com a manutenção do racismo estrutural no Brasil.
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Como ressalta o jornalista e pesquisador Guilherme Soares Dias nesse artigo no seu ótimo blog Guia Negro, “a cultura afro é uma das bases das tradições brasileiras, presente na maioria dos atrativos e destinos turísticos do país, como igrejas construídas pelas pessoas escravizadas, museus, centros culturais.” Mas raramente isso é ressaltado, né?
Da mesma forma, conhecer a versão de povos indígenas sobre as lutas que já enfrentaram e enfrentam até hoje pode nos trazer uma visão da sociedade muito diferente do que nos ensinaram que era certo.
Entender nossas raízes é fundamental pra questionarmos as narrativas dominantes e atuarmos contra a supremacia branca. E também, é claro, pra apreciarmos melhor a enorme diversidade da nossa cultura.
“Ah, Luísa. Muito legal essa história de aprendizado, mas quando viajo eu também quero me divertir”, você pode pensar. E quem disse que o turismo étnico, ou o turismo de base comunitária, é chato ou sem graça? Muito pelo contrário!
Dá pra viver diferentes experiências inesquecíveis viajando assim. Por exemplo, provar a culinária indígena, aprender a fazer artesanato, dançar com os quilombolas, descobrir plantas medicinais, tocar instrumentos musicais… E, dependendo do lugar, pegar uma praia, fazer trilhas ou explorar florestas, manguezais, rios e cachoeiras.
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Onde fazer turismo étnico no Brasil
É possível praticar turismo étnico de maneira informal, procurando comunidades específicas ou contratando guias que trabalhem com isso. Mas também existem Brasil afora muitas iniciativas organizadas que facilitam o acesso de viajantes a essas experiências.
Alguns projetos acontecem em comunidades onde mora algum grupo étnico, com vivências de um ou mais dias. Mas existem também, especialmente em capitais, várias opções de passeios ou atividades com algumas horas de duração.
Olha só alguns exemplos:
Quilombo do Campinho (litoral do Rio de Janeiro)
Rota das aldeias Pataxó (Bahia)
Caminhada São Paulo Negra (São Paulo)
Tour pela Pequena África (Rio de Janeiro)
Terreiro e Carnaval na Bomba do Hemetério (Recife)
Quilombo dos Palmares (Alagoas)
Vivência Xavante (Mato Grosso)
Trilha Griô do Quilombo (Bahia)
Caminhada Linha Preta (Curitiba)
Rota do Quilombo Mocambo (Sergipe)
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Se o seu foco é o afroturismo, ou seja, as experiências que abordam a cultura negra no Brasil e em outros países, recomendo dar uma olhada nas plataformas Diaspora.Black e Brafika Viagens.
E você, tem experiências com o turismo étnico pra compartilhar? Conta aí nos comentários!
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