Viagem pra Dentro

O que significa “exótico” e por que repensar esse conceito

Viagem pra Dentro | 29/04/20 | Atualizado em 26/05/20 | 21 comentários

Há um tempo atrás, fiz um intercâmbio na Finlândia com mais 15 jornalistas das Américas, África e Ásia. Durante o programa, passamos um final de semana separados, cada um na casa de uma família local. Nesse período, vivenciamos hábitos diferentes pra maioria de nós, como ir à sauna com frequência ou comer carne de alce.

Na volta, minha colega de quarto de Singapura me contou que seus anfitriões tinham sido muito simpáticos, com apenas um porém. Sempre que ela respondia às perguntas deles sobre seu país de origem a reação era a mesma: “que exótico!”.

Poucos dias depois, conheci uma finlandesa que tinha estado envolvida numa das edições anteriores do programa, que até então selecionava participantes majoritariamente europeus. Quando disse que era brasileira e que o colega que estava comigo era egípcio, ela respondeu: “achei tão legal terem escolhido países exóticos esse ano!”. A seguir, uma imagem desses exóticos não-europeus.

o que significa ser exótico

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Mas o que é exótico, afinal?

De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “exótico” é algo “que é de país ou de clima diferente daquele em que vive ou em que se usa; estrangeiro; importado”. Em uma busca no Google, encontrei “esquisito, excêntrico, extravagante”. E descobri também que o termo vem do grego exotikós, “de fora, que não pertence ao local”.

Se o critério é simplesmente a diferença, por que nenhum de nós estrangeiros classificou a cultura finlandesa como “exótica” no período que passamos lá? Por que se usam com frequência frases como “Deslumbre-se com o exotismo do Marrocos” ou “Conheça as praias exóticas da Indonésia”, mas dificilmente vejo essa palavra ser usada pra falar de países europeus ou da América do Norte?

Essa ideia de estranheza que identificamos com exotismo é determinada a partir de uma perspectiva pessoal, ou seja, das referências culturais de cada um. Assim, algo totalmente prosaico pra mim, como comer cuscuz com ovo, pode ser exótico pra pessoas de outras partes do mundo.

Por isso, acho essencial nos lembrarmos que a ideia sobre o que é exótico tem mais a ver com quem fala do que com a coisa classificada como tal.

Assim como é preciso lembrar que todo mundo tem sotaque (visto que não existe um jeito de falar que seja o “certo”), falar em exotismo sem levar em conta nossa visão pessoal significa partir do pressuposto de que existe um “normal” ou “neutro”.

Descolonizar nossas influências

A palavra “exótico” por si só não tem necessariamente uma conotação negativa. Mas geralmente ela está associada a um padrão que tem a ver não só com nossa cultura local, regional ou nacional, mas também com influências externas que costumamos absorver.

Influências essas que têm tudo a ver com relações históricas de poder. Pode reparar: quase sempre, vemos como exóticas as coisas que fogem ao padrão ocidental.

Quantos de nós não conhecemos super bem como funciona uma escola nos Estados Unidos, por exemplo, por assistir tantos filmes que têm esse ambiente como cenário? Mesmo que a dinâmica de um high school seja diferente da que a maioria dos brasileiros vive, ela está longe de ser vista como “exótica”. Apesar de distinta, nos parece familiar.

Também não classificamos como exóticos os hábitos alimentares dos franceses, espanhóis ou italianos. Afinal, a Europa é um importante ponto de referência cultural pra boa parte do mundo.

A literatura de viagens, inclusive, foi construída em grande parte sob o ponto de vista europeu. Durante a era das grandes navegações, europeus percorriam o mundo e compunham relatos sobre os povos exóticos que eles tinham “descoberto”. Sob uma perspectiva etnocêntrica, relatavam com estranhamento o comportamento daqueles povos.

o que é exótico

Será que não continuamos fazendo algo parecido ao visitar países considerados “exóticos” (geralmente asiáticos ou africanos) e reforçar esse discurso que considera o ocidental como dominante ou padrão? Não é hora de questionarmos essas influências e nos familiarizarmos mais com outros modos de vida?

Não acho que devamos necessariamente parar de usar a palavra “exótico”. No entanto, acredito que já passou da hora de pensarmos sobre o que é exótico pra nós, ou seja, o que está por trás desse uso.

Em primeiro lugar, me parece urgente ampliarmos a variedade de fontes de conteúdo que consumimos. Ao ler, assistir e ouvir mais histórias sobre povos distantes geográfica e culturalmente de nós, torna-se mais fácil entender e valorizar o mundo em sua diversidade e complexidade.

Num mundo tão grande e com culturas tão ricas, não é normal que saibamos tanto sobre alguns lugares específicos, não por acaso historicamente poderosos, e tão pouco sobre continentes inteiros. E em tempos com tão fácil acesso à informação e cultura pela internet, não existem muitas barreiras pra que possamos contornar esse problema.

Ir além da simplificação

Além disso, acho interessante encontrar outras formas de descrever as coisas, em vez de recorrer sempre à ideia simplista de exotismo. Quando usamos “exótico” pra tudo que nos parece estranho é como se colocássemos todos que não nos são familiares “numa panela só”, sem dar a devida atenção às particularidades de cada cultura.

Uma frase como “A comida de lá é exótica” pode ser substituída por algo como “os pratos típicos usam uma combinação de especiarias variadíssima, além de muitos frutos do mar”. Em vez de dizer “ela tem uma beleza exótica”, podemos descrever as características da pessoa de que falamos. E assim por diante.

Quando estamos viajando e provamos uma comida diferente ou aprendemos sobre um hábito que nos surpreende, aquilo pode realmente nos parecer exótico, ou seja, seu caráter “estrangeiro” pode nos saltar aos olhos. Mas vale lembrar que o que é exótico naquela situação é a gente, que veio de fora. Pra aquele contexto, é apenas a vida comum.

Nosso estranhamento frente a algo que não é familiar, ou mesmo um “choque cultural”, é normal. Mas me parece arriscado usar a ideia de “exótico” pra reforçar a dicotomia entre “nós” e “eles” e esquecer que não existe um jeito certo de existir no mundo.

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O que achou dessa reflexão? O que é exótico para você? Conta aí nos comentários!

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21 Comentários

  1. Bruna

    É incrível eu ter caído justamente nesse artigo, pois, ao planejar um conteúdo para o meu blog (destinos de praias para lua-de-mel) essa semana, de início utilizei a palavra “exóticos” no título, mas sabe quando você olha e fica incomodada? Não tem como negar, utilizar essa palavra para adjetivar pessoas e culturas é racista sim!
    Estou adorando o blog, beijo!

  2. Amy

    Cara, eu estou muito feliz por ter encontrado esse artigo, por que eu realmente incomodo em ser chamada de Exótica.

    • Que bom que o texto foi útil, Amy! O uso desse termo pra pessoas me parece ser das piores situações… Sinta-se abraçada!

  3. Giovana Meirelles Borges

    muito bom seu texto, obrigada por escrevê-lo e explicar tão bem. Sempre que sou chamada de exótica me embrulha o estômago mas não sabia exatamente o motivo de aquilo não soar bem, agora faz todo o sentido: é uma palavra racista que generaliza tudo que é não-branco, talvez por isso eram sempre pessoas brancas que me “elogiavam” usando essa palavra. parabéns!!

    • Oi, Giovana! Poxa, sinto muito que você passe por isso. O uso do termo pra falar de pessoas me parece mesmo um exemplo de manifestação inconsciente do racismo :( Que bom que o texto foi útil pra você :) Um abraço!

  4. Capinam

    Olá Luisa!
    Achei muito bom parar aqui e ler este texto, que está lindo.
    Pois, eu não gosto do modo como a palavra exótico é usado e fiquei curiosa para saber o que você diria.
    Como li também alguns comentários, e é mais comum do que a maioria das pessoas pensam, usar o termo para definir pessoa, dói, fere e sim, é racista. Usam um termo para definir tudo que é diferente de si, mas penso, somos todos únicos. Penso como você, ressaltar com adjetivos qualquer que seja o objeto, a comida, etc é a forma mais linda ao invés de reduzi-la a exótico.

    • Que legal que o texto fez sentido pra você! :) Muita coisa que nos acostumamos a ver como “normal” foi imposta assim, né? Um abraço!

  5. Glauber Souza

    Estou concluindo material de um fuso Módulo 2 para Agentes de Viagens, e estava na parte que mostra os roteiros no mundo classificados como “exóticos”, separando por regiões. E quis explicar o significado de exótico, ao qual caí no seu texto. Adorei, agradeço por compartilhar suas experiências e conhecimentos. Continue!

    • Oi, Glauber! Que ótimo, fico muito feliz! :) Muito obrigada por comentar!

  6. Rabisco

    Gostei muito do seu post, vim parar aqui porque comecei a me perguntar o que seria algo exótico, sou uma mulher parda e mais de uma vez ouvi de pessoas com que me relacionei que eu era “exótica”, isso nunca me pareceu um elogio, na verdade me causou um estranhamento dessa palavra, sua reflexão é muito boa :)

    • Que legal que a reflexão ressoou por aí, Jessie! :) Sinto muito que você tenha passado por essas situações chatas. Nosso mundo tá muito pautado nessa visão uniforme das culturas dominantes, né? Um abraço e obrigada por comentar <3

  7. Jéssica Pinheiro

    Oi. Que bom que li este artigo. Sou portuguesa e todas as pessoas me dizem que tenho uma beleza exótica. E isso realmente não cabe na minha cabeça. Não que eu considere uma coisa má, mas não faz muito sentido

    • Oi, Jéssica! É muito doido mesmo, né? Acho que a maioria fala sem fazer ideia do que pode estar por trás…

  8. Leandro Alcantara

    Obrigado por compartilhar essa reflexão! Uma amiga veio desabafar comigo que foi chamada de exótica. Senti a necessidade de buscar mais conhecimento sobre essa questão.

    • Que legal que você foi atrás de mais informação, Leandro! :) Fico muito feliz que a reflexão tenha feito sentido por aí. Um abraço!

  9. Paulo Roberto

    Exótico depende do ponto de vista. Eu acho exótico as vestes tradicionais de holandesas, o quimono das japonesas, os turbantes das africanas e dos indianos, apenas para citar como exemplo assim como eles acham exótico os brasileiros tomarem em média dois banhos por dia, no dia de outono que eu escrevi esse comentário eu tomei três banhos, então eu sou super exótico! Vamos parar com essa construção de tudo ser ofensivo, tudo ser pejorativo, tudo ser humilhante, tudo ser com o intuito de diminuir a outra pessoa, isso está cansando e tornando o mundo um lugar chato. Viva sua vida sem se preocupar aquilo que os outros falam dirá o que pensam, vão viver muito melhor.

  10. ILSON JOAQUIM DA SILVA

    Luiz Ferreira, você é abençoada
    Por refletir e escrever tão bem.
    E eu me considero uma pessoa privilegiada
    Por ter tido acesso ao seu texto também.

  11. Oi Luísa, Lendo o seu artigo me lembrei de quantas vezes produtos, animais, plantas brasileiros são vistos aqui na Italia como exóticos. E realmente ninguém do Brasil vai pensar que a Italia ou coisas italianas sejam “exóticas”. Muito interessante a sua reflexão. Saudações aqui da Toscana para você, Barbara

    • Adorei a perspectiva, Barbara! É muito doido isso, né? Obrigada por comentar! Um abraço do Recife :)

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