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Turismo irresponsável: coisas que fiz viajando e me arrependo

Dicas Práticas | 13/04/19 | Atualizado em 29/03/24 | 8 comentários

Por um lado, a sensação de olhar pra trás e perceber que você fez coisas das quais se arrepende é péssima. Mas pior seria continuar repetindo as más escolhas, né? E melhor ainda é aprender com os erros dos outros e evitar cometê-los também. Por isso, resolvi expor aqui algumas coisas de que não me orgulho nem um pouco e que considero exemplos de um turismo irresponsável.

Infelizmente, só fui me dar conta de muitas problemáticas relacionadas ao turismo muito depois de começar a viajar. E ainda tenho, com toda certeza, muito a aprender sobre como reduzir o impacto negativo que nós viajantes costumamos ter. Vamos aprendendo juntos?

Turismo irresponsável: erros que já cometi

turismo irresponsável

Tirar foto com animais silvestres

No meu primeiro intercâmbio, em 2009, fui estudar espanhol em Buenos Aires. Um belo dia, uma galera que estava hospedada na mesma residência estudantil que eu chegou com um convite: “Vamos ao zoo de Luján?”.

Nessa época eu mal pesquisava sobre os passeios que ia fazer e não tinha ideia do que seria turismo irresponsável. Não lembro se alguém tinha chegado a me dizer que a “graça” do lugar era tirar fotos com leões e tigres e passear de elefante. Mas o fato é que cheguei lá e fiz tudo isso.

Achei o espaço pra os elefantes pequeno, mas não tinha dimensão de quão ruim é esses animais serem usados pra carregar humanos. Estranhei o fato de poder entrar na jaula dos felinos tranquilamente e até fazer carinho neles e achei a atmosfera bem deprê, mas não pensei muito sobre o assunto.

Alguns anos depois, fui rever as fotos da viagem e fiquei em choque com minha falta de consciência. Era óbvio que aqueles bichos não estavam sendo bem tratados. É lógico que o estado normal de um leão não é ser “manso”, e que ele não foi criado pra dar expediente como modelo de selfies.

Mais tarde, fiquei ainda mais ciente do bizarro que é aquele lugar, assim como tantos outros que exploram animais de formas parecidas.

Descobri que pra tornar elefantes submissos o bastante para serem montados por turistas, eles são levados de suas mães quando filhotes e forçados a passar por um processo de treinamento horrível, que geralmente envolve mantê-los em uma jaula pequena ou prendê-los com correntes pra que só possam se mover mediante comandos.

Soube que o elefante é um dos animais mais perigosos pra se lidar, e que por isso os treinadores usam ganchos pontudos de metal pra mantê-los sob controle. E que isso é supercomum em países como a Tailândia, em que a demanda turística motiva várias empresas a continuarem essa prática.

É claro que os felinos que vi no zoológico também não têm uma vida feliz naquelas condições. Especialistas explicam, por exemplo, que filhotes de tigre costumam ser separados de suas mães em suas primeiras semanas de vida pra que possam ser usados como adereços em fotos.

Ainda vejo muita gente recomendando o Zoológico de Luján pra quem vai a Buenos Aires. Sempre que posso, faço questão de alertar os viajantes sobre o quão absurdas são essas atrações, assim como eu gostaria que tivessem me alertado. E espero que relatos críticos se tornem mais comuns, até que esse lugar seja finalmente fechado.

Leia também:
Turismo sustentável: como ser um viajante mais consciente
Os problemas do trabalho voluntário no exterior

Ver show de golfinhos e orcas

Eu era ainda mais nova quando fui no SeaWorld, em San Diego, na minha primeira viagem ao exterior. Assim como milhões de turistas, achei incrível ver o show da orca, com aquele bicho grandão dando saltos e piruetas pra o público admirar.

Também adorei visitar um tanque de golfinhos e tocar neles. Assim como tantos outros turistas, eu não tinha consciência da crueldade a que esses simpáticos animais são submetidos.

Viver num tanque do tamanho de uma piscina, completamente diferente do seu ambiente natural, deve ser péssimo, e as condições em que são mantidos geram vários problemas pra os bichos. Pra completar, ser obrigado a “dar showzinhos” pra os visitantes provoca doenças relacionadas ao estresse.

Muito tempo depois daquela visita, vi o famoso documentário Blackfish e aprendi mais sobre o problema dos mamíferos marinhos em cativeiro. O Sea World não faz mais shows com baleias, ao menos na unidade da Califórnia, mas acredito que ainda têm atrações com vários outros animais. Na minha última visita a San Diego, fiz questão de não ir.

Caminhar sobre arrecifes

Essa prática foi comum na minha vida toda, já que moro no litoral nordestino e cresci visitando praias cheias de arrecifes, e nunca imaginei que pudesse ser um tipo de turismo irresponsável. Apesar de ir com certa frequência à região de Porto de Galinhas, fiz poucas vezes o passeio até as piscinas naturais, mas achava que não tinha problema nisso desde que me mantivesse dentro das áreas demarcadas.

Só recentemente fui me dar conta de que caminhar nos corais devia ser algo evitado como um todo. Como observa essa matéria do Globo, “ao contrário do que muitas pessoas pensam, os corais não são plantas nem pedras. São animais que fazem parte da fauna marinha. São seres vivos frágeis que levam dezenas de anos para se desenvolver”. Pisotear essas estruturas causa, então, muito prejuízo à vida marinha.

O acesso de turistas aos arrecifes de Porto foi limitado a um trecho relativamente pequeno há uns 10 anos, mas ainda assim existe um fluxo absurdo de gente por lá todos os dias. E em várias outras praias acontece algo parecido.

Um exemplo dos efeitos disso é apontado num estudo mencionado nesse post do blog 360 Meridianos: “nos trechos de recifes em Porto de Galinhas onde o acesso é livre aos turistas houve uma redução de 55% na quantidade de animais que vivem em meio às algas”.

Ver os peixinhos nadando ao nosso redor é lindo e os impactos negativos que provocamos em praias e outros ambientes naturais vão muito além dessa questão dos corais, mas fica a reflexão: será que podemos ao menos evitar destruir um monte de vida no nosso caminho?

piscinas naturais em porto de galinhas

Dar comida a animais

Outra coisa que tá relacionada ao ponto acima e sempre me pareceu inofensiva é dar pão a peixinhos pra atrai-los, prática bem comum em piscinas naturais e tantos outros lugares – desde o “laguinho” da praça no meu bairro.

Muita gente faz isso lá em Porto, mas não é um hábito exclusivamente brasileiro: em San Andrés, por exemplo, os turistas recebem pães quando entram em lugares como o West View, que é repleto de peixes coloridos.

Também em San Andrés, porém, encontrei pela primeira vez um textinho educativo falando que isso não era recomendável. Na EcoFiwi, empresa que promove um passeio de caiaque transparente pelo mangue, eles dão o alerta: “os peixes não evoluíram pra comer levedura, e essa prática afeta gravemente a cadeia alimentar”.

Alimentar animais silvestres é muito ruim, como observam esses textos da Superinteressante e da ONG Proteção Animal Mundial. Esses bichos têm dietas e rotinas alimentares que podem ser afetadas gravemente quando nós humanos ficamos entregando comidas a eles – especialmente quando esses petiscos não têm nada a ver com o que eles costumam comer.

As consequências negativas dessa prática vão desde riscos à saúde a desequilíbrios do ecossistema. Lugares com o Rio de Janeiro sofrem com uma superpopulação de saguis, por exemplo, em parte devido ao hábito da galera de dar comida a eles. Sim, eles são muito fofos, mas o aumento da população gera problemas, como prejuízos à biodiversidade.

Além disso, os animais podem ficar desmotivados a buscar comida por conta própria, e em muitos casos a competição entre eles aumenta muito.

Retirar conchas da praia

Outra prática comum em praias mundo afora é catar conchinhas e levar pra casa – desde aquelas pequeninas às que servem de casa pra moluscos. Por mais que o impacto individual, nesse caso e em tantos outros, tenha uma escala muito menor que a extração em escala industrial, acho válido refletir: você precisa mesmo tirar esses elementos da natureza?

Restos de conchas e corais servem de casa pra vários bichos e também se decompõem com o tempo, contribuindo pra aumentar a quantidade de cálcio no ecossistema marinho e se transformando em grãos de areia. A redução da quantidade de conchas provoca, assim, um desequilíbrio ambiental.

Ah, e isso não vale só pra o que colhemos por conta própria. Também não é recomendável comprar joias ou peças de decoração com conchas ou corais. O comércio desse tipo de artesanato é, inclusive, considerado um crime ambiental.

concha em montpellier

Além do meio ambiente

Também já falei aqui no blog sobre visitas a lugares como o Oceanário de Lisboa e o Zoológico de San Diego, que incluí nos meus itinerários por ter lido muitas coisas positivas sobre trabalhos de conservação feitos por eles.

Existem atrativos turísticos que usam animais e contribuem efetivamente pra preservação dos bichos. É o caso, por exemplo, do Parque das Aves em Foz do Iguaçu, que resgata animais de maus tratos e tráfico e é elogiado por especialistas da área. Ainda assim, a simples existência de zoológicos e aquários levanta polêmicas e me deixa, hoje, com um pé atrás em relação à ética de visitá-los.

Mas é claro que o turismo irresponsável não se limita a problemas causados aos animais ou ambientes naturais que visitamos. Também tem muitas outras ações que nós, turistas, podemos fazer gerando impactos negativos sem que percebamos.

Alguns exemplos de atitudes ruins são participar de atrações que tratam populações locais como um zoológico humano, desrespeitar manifestações culturais tradicionais, deteriorar patrimônios históricos e incentivar práticas econômicas exploratórias. Mas esses temas vão ser assunto pra outros posts.

Enquanto isso, me conta: você já se pegou tendo atitudes que podem ser consideradas um turismo irresponsável, ou viu outros viajantes agindo assim? Já cometeu algum dos mesmos erros que eu?

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8 Comentários

  1. Adorei o texto, Luísa! Já dei muita bronca em alunos de mergulho que insistiam em dar pães e bananas aos peixes quando subiam de volta ao barco. E me arrependo amargamente de um tour que fiz com elefantes na Ásia.

    • Oi, Ângela! Acho que a maioria de nós só aprende depois de errar mesmo, né? Eu demorei muito mesmo pra me ligar que essa história dos pães era ruim; queria que alguém tivesse me dado uma bronca! Obrigada pelo comentário :)

  2. Parabéns! É muito importante refletir sobre este erros e ajudar outras pessoas a não cometerem!!!

  3. Ana Emilia

    Luisa, também fui ao Zoo de Luján e tive a mesma sensação que você, achei estranho e tal, mas fiz as coisas propostas. Quando fui embora, me bateu uma deprê… e nunca mais fiz esse tipo de turismo. Isso tem a ver com ego tb, insisto nisso., pessoas que só querem ganhar os likes, então esse turismo funciona.

    • Concordo, Ana! Acho que também tem muito a ver com desinformação, com “fazer o que todo mundo tá fazendo” porque se questionar sobre as coisas dá trabalho… Mas aos poucos, vamos espalhando pelo menos as informações, né? :)

  4. Luísa, que bacana essa tua reflexão. Acho que muitas vezes estamos tão acostumados a ver e presenciar esse tipo de turismo que acabamos achando que isso é normal. Uma vez fiz um passeio de barco em Bariloche e dentro do barco o fotógrafo distribuía bolachas para os viajantes para que eles alimentassem as gaivotas e assim poder tirar uma foto do momento em que a ave pega a bolacha. Achei isso tão absurdo que resolvi reclamar com a empresa depois por email. Esse tipo de atitude abusiva acaba mudando os hábitos alimentares dessas aves que não deveriam ser alimentadas dessa forma.

    • Total, Lucila! Eu cresci achando que era muito normal dar pão pra peixes em piscinas naturais e coisas desse tipo… Às vezes até o pessoal que trabalha com isso não tem consciência do impacto, né? Afinal, acho que a questão parte do nosso antropocentrismo. Essa ideia de achar que tudo tem que servir aos nossos caprichos, sem parar pra pensar no que vamos provocar naquele ambiente. É assim que estamos nos levando à extinção, né? :/

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