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Turismo de empatia: viagens com foco nas pessoas

Viagem pra Dentro | 22/06/20 | Atualizado em 16/09/20 | 2 comentários

As viagens mais marcantes da minha vida tiveram a ver com pessoas. E dá pra criar essa conexões de diversas formas, como observando-as no seu dia a dia, provando os sabores que contam suas histórias, conhecendo suas manifestações culturais… Mas quando criamos conexões profundas com os moradores de um lugar, a experiência se torna ainda mais rica. É o caso, por exemplo, do chamado “turismo de empatia”.

Me deparei com esse termo pela primeira vez no livro “Turismo de empatia: Refugiados no Oriente Médio”, da jornalista Talita Ribeiro. Nele, ela relata a experiência de passar as férias visitando campos de refugiados na Jordânia e no Iraque.

A escolha foi motivada pela vontade de conhecer algumas das mulheres que “resistem bravamente a cenários de guerra e pobreza, seguindo na direção da liberdade”, como coloca a autora. Não foram os destinos ou o propósito mais convencionais pra uma viagem de férias, né? Mas seu objetivo com a viagem não era conhecer pontos turísticos, e sim se conectar com aquelas pessoas.

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O que é turismo de empatia?

Talita define o conceito no livro: “Turismo de empatia é decidir embarcar em uma viagem ou passeio cujo foco não é conhecer as atrações de um destino, mas sim a realidade das pessoas que vivem no local, suas histórias, sonhos e medos. Nesse tipo de turismo você ouve muito mais do que fala, aproxima-se de paisagens que muitas vezes não constam nos cartões postais ou guias de viagem e convive com os outros, não apenas os observa de forma distanciada”.

Nesse sentido, o destino escolhido não faz tanta diferença. A ideia é se interessar mais pelas pessoas a nosso redor. Se envolver, se importar. Exercitar, como diz o termo, a empatia. Mas o que é isso?

Como descreve Roman Krznaric no livro Sobre a Arte de Viver, “A empatia é a arte de se pôr no lugar do outro e ver o mundo de sua perspectiva. Ela requer um salto da imaginação, de modo que sejamos capazes de olhar pelos olhos dos outros e compreender as crenças, experiências, esperanças e medos que moldam suas visões de mundo”.

“George Orwell nos diria para esquecer a ideia de passas nossas próximas férias num resort exótico ou visitando museus. É muito mais interessante expandir nossa mente fazendo viagens para dentro da vida de outras pessoas – e permitindo-lhes ver a nossa. Em vez de perguntar a nós mesmos ‘para onde posso ir da próxima vez?’, a pergunta em nossos lábios seria “no lugar de quem posso me colocar da próxima vez?’”, diz Krznaric.

Fazer turismo de empatia significa tirar as pessoas diferentes de nós da posição de “outro”, como algo estranho ou exótico, e construir pontes. Se encantar pela diversidade de experiências, pensamentos e pontos de vista e ir além de rótulos.

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Isso tem a ver com lembrar que lugares e pessoas não são produtos, nem meros objetos de contemplação. E que, quando viajamos, visitamos a casa do outro. Nada mais justo que tentarmos conhecer nossos anfitriões, né? O que inclui não só as partes mais bonitas da vida, mas também entender as dores daquele povo.

Recentemente, uma conhecida fez um post no Instagram sobre como visitou mesquitas na Índia e ficou com uma impressão super positiva sobre convivência multicultural, pra depois descobrir que o governo indiano tem tomado medidas altamente discriminatórias contra os muçulmanos. “Sinto como se tivesse sido um ET por lá”, ela disse.

Quando estive na Índia, eu tinha consciência dessa problemática porque tenho amigos indianos, uma delas muçulmana. Conversei com eles sobre isso e li muitas notícias sobre o assunto enquanto preparava minha viagem, o que me trouxe outra perspectiva sobre o assunto.

Mas já fui a muitos outros lugares sem fazer um esforço pra entender de fato as dores dos moradores. Cheguei, curti as belezas, tirei fotos, me diverti, fiz amigos que também estavam de passagem, troquei palavras breves com alguns nativos e fui embora sem me conectar de verdade com a cultura local, especialmente suas problemáticas. Sem entender o lado B do oba-oba turístico (que sempre existe). Sem praticar um turismo de empatia.

Por que praticar turismo de empatia

O escritor Ian McEwan disse que “Imaginar como é ser uma pessoa diferente da que somos está no cerne de nossa humanidade. É a essência da compaixão e o início da moralidade”. A empatia seria, assim, um impulso pra se preocupar com questões que não nos afetam diretamente, derrubar preconceitos e ampliar nossa visão de mundo.

Acredito que sair das bolhas em que vivemos no dia a dia e descobrir como outras pessoas vivem e pensam é um dos aspectos mais transformadores das viagens. Tanto porque amplia nossa visão sobre nossa própria cultura e experiências de vida quanto porque reforça a percepção de que somos todos interdependentes. E, por isso, deveríamos cuidar uns dos outros.

É claro que viajar limitando suas trocas às pessoas que viajaram com você ou a outros turistas também pode ser enriquecedor. Mas através do turismo de empatia, acredito que ressaltamos o que há de mais bonito nas viagens: a troca com o diferente.

Saímos da posição de turista-cliente, que compra um pacote pronto ou sai de casa pensando apenas em conhecer um roteiro pré-traçado, e nos abrimos pra aprender uns com os outros. Encaramos as viagens como algo mais orgânico e menos mercantilizado.

Mas as vantagens não param por aí. Apesar de ser muito mais sobre pessoas que cenários bonitos, o turismo de empatia pode nos fazer conhecer lugares especiais. Afinal, não há nada como o contato com moradores pra descobrir cantinhos e experiências que não constam nos guias de blogs de viagem, né?

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trecho do livro de talita sobre turismo de empatia

Como praticar turismo de empatia

Tá, mas como colocar em prática esse tal turismo de empatia? Pra começar, vale ressaltar que não é preciso ir pra o Oriente Médio ou outro destino distante ou com uma cultura muito diferente da nossa. Em qualquer viagem, ainda que seja pra a cidade vizinha, é possível adotar um olhar empático e fazer uma imersão na realidade das pessoas.

Pra isso, uma dica é partir sem um roteiro fechado (ou, caso você ame planejamento como eu, pelo menos um roteiro bem flexível). É importante bastante tempo livre na sua programação pra interagir com as pessoas sem aquela pressa de querer estar em outro lugar.

E também estar aberto pra convites inesperados, inclusive pra coisas totalmente “não turísticas”. Como ir num show de stand up comedy metade em inglês, metade em hindi, que foi uma das coisas mais legais que fiz em Mumbai e me ajudou a entender melhor a juventude de lá.

“Ah, mas como eu faço pra conhecer pessoas locais?”, você pode me perguntar. Existem muitas formas. O turismo colaborativo, por exemplo, costuma nos permitir entrar em contato com moradores.

Você pode fazer CouchSurfing (ou usar a função “hangout” do aplicativo só pra se conectar a pessoas), alugar um quarto num AirBnb em que o anfitrião realmente more, trocar trabalho por hospedagem, pegar caronas… Ou mesmo jogar um pedido nas redes sociais, perguntando se algum amigo seu conhece pessoas daquele lugar.

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E, caso tenha interesse numa questão específica (como a temática dos refugiados, por exemplo), faça uma pesquisa por pessoas ou instituições que possam lhe conectar às pessoas certas.

Aliás, ter uma questão específica que lhe mobilize pode ser muito interessante pra praticar, de fato, o turismo de empatia. A viagem se torna mais focada, com um propósito bem definido, e você pode fazer uma imersão profunda em alguma temática que lhe interessa de coração.

Como diz Talita: “Faça uma pergunta. O primeiro passo é ter curiosidade sobre algo, um questionamento sincero que te impulsione para fora da sua zona de conforto e te faça querer ser um bom ouvinte”.

Ouvir as histórias e opiniões das próprias pessoas é maravilhoso. Ainda assim, vale a pena fazer suas próprias pesquisas antes de viajar. Pra isso, procure desde livros, estudos e notícias a informações compartilhadas por habitantes locais nas redes sociais, por exemplo.

Por fim, é importante preparar-se psicologicamente pra ouvir mais do que falar e, possivelmente, se deparar com questões complexas e dolorosas. No fim das contas, acredito que o principal é reforçar, dentro de si, a intenção de expandir seus horizontes e “viajar ao coração do outro”.

Você já tinha ouvido falar do turismo de empatia? Acredita que já viajou assim, mesmo sem conhecer o termo? Pensa em, no futuro, viajar com mais foco nas pessoas? Conta aí nos comentários!

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2 Comentários

  1. Gisele

    Sensacional!!! Eu adorei me reconhecer nesse termo: turismo de empatia. Sempre quis explicar que não me interessa tanto ver os pontos bonitos ou turísticos, mas sim adentrar o coração do outro, a casa do estrangeiro. Sempre tive esse interesse e acho que, como antropóloga, esse tipo de turismo é muito mais interessante para o autodesenvolvimento. Em estudos antropológicos falávamos em observação participante, quando você interage com o grupo analisado.
    Moro nos Estados Unidos e aqui sempre busco adentrar as casas para conhecer os corações americanos. Adorei o termo. Não o conhecia. Abraços!

    • Que massa, Gisele! Acho que muita gente viaja assim, mas sem dar um nome pra isso, né? Também adorei conhecer o termo, quando li o livro de Talita :) E imagino que como antropóloga, sua visão seja bem interessante mesmo! Um abraço e obrigada por comentar :)

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