Memorial da Resistência de São Paulo e a história da repressão no Brasil
Parece que o Brasil tem problemas de memória. Nos falta conexão com nossas origens, nos falta conhecimento histórico e nos sobra uma estranha tendência a relativizar fatos muito bem documentados. Por isso, fiquei muito feliz ao conhecer o Memorial da Resistência de São Paulo.
Criado em 2009 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o espaço é dedicado à preservação da memória de diferentes manifestações de resistência à repressão política no Brasil republicano, ou seja, desde 1889 até hoje. A ideia é provocar reflexão sobre cidadania e direitos humanos e preservar um pedaço da história de alguns dos períodos mais terríveis que o Brasil viveu.
A visitação é gratuita e a localização é bem central, mas quanta gente nunca nem ouviu falar nesse lugar? Não gosto de falar em atrações “imperdíveis”, mas acho que a visita a lugares como o Memorial da Resistência de São Paulo deveria estar entre as prioridades de qualquer um que vai à capital paulista.
O prédio onde funciona o Memorial da Resistência de São Paulo fica pertinho da Estação da Luz, no centro de São Paulo. E essa construção específica não tá cumprindo essa função por acaso: funcionou ali, entre 1940 e 1983, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP).
Não sabe o que significa essa sigla gigante? Resumidamente, o Deops foi uma das políticas mais truculentas do país – especialmente durante o regime militar.
Como você deve imaginar, não é uma visita leve ou divertida. Mas o espaço tá bem conservado, é informativo e é, até onde eu sei, o único equipamento cultural do país a abordar a ditadura. Lembra que é grátis? Lembra que é fácil de chegar? Vai lá, por favorzinho.
Como é a visita ao Memorial da Resistência
O prédio do Memorial da Resistência também abriga a Estação Pinacoteca, onde você encontra exposições temporárias com temáticas variadas (geralmente ótimas). O acesso a essa parte é pra um lado e no outro fica o Memorial. Ao chegar, é só retirar seu ingresso gratuito na recepção e entrar.
Na primeira sala, você encontra uma seção chamada “Lugares da Memória”. Placas nas paredes reúnem informações sobre lugares que foram palco de ações de controle, repressão ou resistência políticas no Estado Novo (de 1937 a 1945) e na Ditatura Militar (de1964 a 1985).
São praças, ruas, igrejas, escolas, entre outros lugares compilados colaborativamente, num projeto que ainda está em construção.
“Atualmente, o Estado brasileiro estima que ao menos 50 mil pessoas foram presas logo nos primeiros meses de 1964 e que cerca de 20 mil brasileiros foram submetidos a torturas. (…) A ditadura é oficialmente responsável pelo saldo de 434 mortos e desaparecidos políticos no Brasil e no exterior, sendo 191 mortos e 243 desaparecidos, dentre os quais apenas 33 ossadas foram localizadas até hoje”, diz um painel em outra parede da sala.
Na área seguinte, o destaque é uma linha do tempo que vai desde o início da república até os anos recentes. Essa foi uma das minhas partes preferidas, porque dá um panorama muito bom de diferentes fatos históricos e ajuda a enxergar como eles se relacionaram.
Nela, estão listados acontecimentos internacionais, presidentes, governadores, leis, organizações políticas, atitudes de repressão e movimentos de resistência que foram importantes em cada época, vistos em paralelo entre si.
No mesmo espaço tem também painéis multimídia que explicam conceitos como “repressão”, “tortura” e “resistência”, dando exemplos relacionados à história do Brasil com o apoio de documentos e fotos.
E então se chega ao antigo espaço carcerário. Uma maquete mostra o espaço da prisão atualmente e no período de 1969 a 1971 e quatro antigas celas são usadas pra tornar mais concretos os momentos de horror vividos ali por pessoas que se opunham ao regime e lutavam pela democracia no nosso país.
A primeira cela é dedicada a mostrar como foi o processo de implementação do memorial. A segunda presta uma homenagem aos milhares de presos, desaparecidos e mortos em decorrência de ações do Deops/SP.
Na terceira, foi feita uma reconstituição de como era uma cela na época, com base nos relatos de ex-presos (só tem dois colchões na foto, mas ficava muito mais gente em cada espacinho desses).
As inscrições nas paredes são de dar aperto no coração e dá pra reconhecer nelas os nomes de várias pessoas. É o caso, por exemplo, da jornalista e militante Rose Nogueira, presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.
Na última cela, encontramos bancos junto às paredes e, no meio, um vaso com uma flor sobre um caixote, fazendo alusão à solidariedade entre os presos políticos. Nesse espaço, você pode se sentar pra escutar os depoimentos de ex-presos, que ressoam em alto-falantes no lugar.
Que tal aproveitar sua ida a Sampa pra fazer um bate-volta? Veja o que fazer em Holambra, São Paulo, com as dicas do blog Elizabeth Werneck.
Para não esquecer
“Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”, diz pronunciamento recente de Procuradores da República em repúdio à celebração do Golpe de 1964.
O Memorial da Resistência é pequeno e não achei tão abrangente ou impactante quanto o Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile, por exemplo. Ainda assim, espaços como esse são essenciais pra nos lembrar da importância de valorizar princípios democráticos e proteger os direitos humanos. “Lembrar para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.
Antes ou depois da visita, vale a pena se informar mais sobre a repressão no Brasil. Algumas sugestões fáceis e gratuitas são consultar o riquíssimo portal Memórias da Ditadura, criado pelo Instituto Vladimir Herzog, e ler o livro Infância Roubada, produzido pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, que reúne histórias de crianças atingidas pela ditadura.
Serviço
Memorial da Resistência de São Paulo
Largo General Osório, 66, Santa Ifigênia – São Paulo, SP
Metrô: Estação Luz –linhas 1 azul e 4 amarela (atenção à segurança por ali)
Consulte o horário de funcionamento atualizado no site oficial
Telefone: (11) 3335-4990
Entrada Gratuita
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Olá, dê uma olhada nesse espaço: https://arquiteturaemnotas.com/2018/02/14/aljube-lugar-de-memoria/