Você precisa mesmo ser mais produtivo?
A gente quase sempre acha que precisa ser mais produtivo. Afinal, como dizem por aí, tempo é dinheiro! E ninguém quer perder dinheiro, né? Não surpreende, então, que uma rápida pesquisa no Google sobre produtividade resulte em várias dicas, guias e conselhos pra aumentar seu desempenho no trabalho e na vida pessoal.
Esse não é mais um desses textos. Sim, acho importante entender como seu ritmo de trabalho funciona e como se organizar pra aproveitá-lo melhor. Mas ainda mais essencial, no meu ponto de vista, é manter uma relação saudável com a produtividade.
Já até falei aqui sobre como ser produtivo no home office e dei dicas de produtividade e organização pra quem trabalha com blog, como eu. Mas nesse artigo, quero te convidar a refletir: preciso mesmo ser mais produtivo? Quais são as causas e consequências dessa cobrança, muitas vezes exagerada?
Estamos exaustos
De acordo com a International Stress Management Association (ISMA-BR), o Brasil é o segundo país no mundo com mais pessoas afetadas pela Síndrome de Burnout, ou esgotamento profissional.
Esse esgotamento é abordado pelo filósofo coreano Byung-Chul Han no livro Sociedade do Cansaço. A premissa da obra é que vivemos numa “sociedade de desempenho” que nos força a produzir sempre mais e mais.
Mas não de qualquer forma. Segundo o autor, ao contrário do que acontecia na anterior “sociedade da disciplina”, em que a cobrança era predominante externa, hoje a vontade de ser mais produtivos está internalizada em nós. Nos tornamos “empreendedores de nós mesmos”.
Pra Byung-Chul Han, a autoexploração é ainda pior que ser diretamente explorado por terceiros (como não deixa de acontecer também), porque alimenta uma falsa ilusão de liberdade.
“A coação de desempenho força o sujeito a produzir cada vez mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação. Vive constantemente num sentimento de carência e de culpa. E visto que, em última instância, está concorrendo consigo mesmo, procura superar a si mesmo até sucumbir. Sofre um colapso psíquico, que se chama de burnout (esgotamento)”, afirma ele.
E isso é muito perigoso, não só pra nossa saúde mental e física em nível individual, mas enquanto coletividade. Como observa esse texto do curso Clima Perestroika no Instagram, “A realidade é que, coletivamente, rumamos ao colapso mental. E pessoas cansadas não têm energia pra estudar, imaginar outros mundos, ou se rebelar”.
O perigo dos discursos motivacionais
“Trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam e então viva o que eles sonham”. Com certeza você já se deparou com mensagens motivacionais como essa, que partem de uma visão de mundo baseada na meritocracia.
De acordo com esse pensamento, ser “bem sucedido” depende exclusivamente do seu esforço individual. Se você se esforçar o bastante, buscando sempre formas de ser mais produtivo, é certo que vai alcançar o “sucesso”. Uso aspas porque esse conceito é vendido como algo único que todos devem almejar, mas acredito ser muito pessoal.
E se você ama seu trabalho, pior ainda, porque vão te convencer de que mesmo trabalhando à exaustão você deve estar sempre com um sorriso no rosto. “Trabalhe com o que ama e não terá que trabalhar em nenhum dia da sua vida”: baita mentira.
O empreendedorismo virou algo glamouroso, mas muitas vezes é apenas um recurso de sobrevivência, especialmente num cenário de extrema precarização do emprego.
Vemos os direitos dos trabalhadores serem cada vez mais reduzidos, enquanto as horas de dedicação aumentam, seja por estarmos em home office (onde desaparece a separação entre vida pessoal e trabalho) ou por precisarmos nos destacar em mercados cada vez mais competitivos.
Não conseguiu alcançar os objetivos ou status desejados? A culpa é sua, dizem, porque não teve o “minset” adequado ou foi preguiçoso. Questões como gênero, raça e classe não costumam ser levadas em consideração nesse tipo de discurso, assim como todo o contexto socioeconômico no qual o indivíduo está inserido.
Não por acaso, né? “A ideia essencial [para a lógica capitalista] é que todos consideremos a vida como um empreendimento econômico, uma corrida onde há vencedores e perdedores”, diz Jenny Odell no livro How to do Nothing (tradução minha).
Nosso modo de vida é baseado numa engrenagem econômica que se alimenta da eterna sensação de que precisamos produzir sempre mais. Achamos normal pensar nas 24 horas do dia como tempo potencialmente monetizável. Assim, o tempo para descanso vira fonte de culpa ou julgamento –tempo é dinheiro, né?
Você vale mais quando é mais produtivo?
Nesse cenário, não surpreende que a gente se sinta um lixo depois de um dia improdutivo, né? É difícil de mudar o que está internalizado tão fortemente. Afinal, nosso “eu” é colonizado desde cedo por uma cobrança por resultados até no nosso tempo livre.
Se começamos um hobby, temos que aprender a fazê-lo muito bem, e talvez monetizar a atividade no futuro. Se vamos praticar exercícios, mesmo que por prazer, usamos gadgets e apps pra medir nosso desempenho.
Até atividades como meditação e yoga, que por concepção deveriam ir contra esse modo de pensar, são usadas como ferramentas pra sermos mais produtivos. E só nos permitimos descansar se pensarmos que assim vamos “render mais” no trabalho depois.
Não só dedicamos cada pedacinho do nosso tempo e energia em prol da produtividade, como atrelamos nosso valor humano a isso. Nos sentimos inúteis se não tivermos nada pra mostrar ao mundo – o resultado de um trabalho, um cargo pomposo, um novo diploma. Como se a vida se reduzisse a isso.
Assim, nos tornamos peças-chave pra sustentar um sistema baseado em consumismo, acúmulo, exploração e muitíssimo lucro pra pouquíssima gente.
A vida não é útil
Esse raciocínio me levou a um questionamento: por que chamamos de “dias úteis” os dias vendidos? Serão inúteis os dias em que “apenas” vivemos? Não é estranho acharmos que nossa função no mundo se resume a trabalhar?
O ativista indígena Ailton Krenak tem falas muito bonitas sobre esse assunto, lembrando que “viver a experiência de fruir a vida de verdade deveria ser a maravilha da existência”.
No livro A vida não é útil, ele afirma: “O pensamento vazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo, acham que o trabalho é a razão da existência. Eles escravizaram tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e o mundo como um lugar maravilhoso”.
E parece que nem sempre foi assim. “Buscando a raiz da palavra trabalho, vemos que, na Antiguidade, ela era associada a tortura e às classes ‘rebaixadas’. Trabalhar não era visto como algo nobre, significava realizar tarefas desprezadas socialmente (trabalho manual, comércio). A vida ociosa e criativa era privilégio de poucos, que se dedicavam às artes, ao lazer e à filosofia.
Com o passar do tempo, seu significado mudou. A Igreja foi uma das grandes responsáveis em moralizar o trabalho e atribuir-lhe valores elevados. Dentro da ética protestante, por exemplo, é preciso trabalhar para expiar os pecados e se livrar dos vícios, enquanto o lazer, o ócio e a preguiça foram demonizados.”, afirma aquele mesmo texto do Clima Perestroika.
Por mais que tentem nos convencer do contrário, viver não precisa ser uma eterna penitência. Aproveitar o ócio, a natureza, o convívio com quem amamos e as coisas simples da vida não precisa ser fonte de culpa. Nossa existência não precisa ser pautada pela produtividade.
Somos natureza
Pesquisando sobre como ser mais produtivo, encontrei um texto que dizia: “Um dia produtivo é aquele em que há um planejamento prévio que é cumprido com sucesso quando ele chega ao fim. Se você quiser e trabalhar para isso, todos os seus dias podem ser igualmente produtivos.”
Como assim “todos os dias igualmente produtivos”? Por acaso somos máquinas pra garantir uma performance perfeitamente estável nos 365 dias do ano? Pensar que não seremos afetados por problemas pessoais, questões de saúde e os altos e baixos naturais da vida, ou querer lutar contra isso, me parece desumano.
Na natureza, existe o período de semear, de colher, período em que nascem as folhas e frutos… Como disse Carol Ussier em depoimento pra o livreto Críticas à Produtividade, “pensar que nós humanos não somos influenciados por isso é partir de uma visão antropocêntrica de que somos superiores. Como se não fôssemos natureza, mas máquinas. Não vejo sentido em achar que de 1 de janeiro a 31 de dezembro seu estado mental tem que ser o mesmo, ou pior, ascendente; sempre cada vez melhor”.
Crescimento nem sempre é bom
Quando ela fala em “ascendente”, me vem à mente outra questão que me parece muito problemática nessa história de querer sempre ser mais produtivo: a ideia de que todo crescimento ou produção é desejável.
Já tem muita coisa em excesso nesse mundo, e boa parte da nossa produção existe pra criar novas necessidades de consumo e fazer o sistema continuar girando, geralmente às custas da exploração do meio ambiente e das pessoas.
“Nos contextos da saúde e da ecologia, coisas que crescem sem controle são frequentemente consideradas parasitas ou cancerosas. No entanto, vivemos numa cultura que coloca a novidade e o crescimento acima do cíclico e do regenerativo. Nossa ideia de produtividade tem como premissa a ideia de produzir algo novo, e não costumamos ver a manutenção e o cuidado como produtivos da mesma forma”, afirma Jenny Odell no livro How to do Nothing (tradução minha).
Inovações e ideias disruptivas costumam ser muito mais valorizadas na nossa sociedade que os processos cíclicos, o cuidado e a regeneração. Frequentemente deixamos de encarar atividades como cuidar das crianças, da casa e da nossa própria saúde como os elementos fundamentais que são, só porque eles não levam a mais “progresso” de acordo com o ideal ocidental.
Será que a manutenção da vida, tanto humana quanto em outras formas, não é tão ou mais valiosa que criar novos objetos de consumo? Será que ter mais trabalho e mais dinheiro do que precisamos pra viver com dignidade, qualquer que seja o custo humano, é um caminho certo pra felicidade? Será que um dia vamos enxergar o quanto nossa busca por acúmulo está destruindo nossa saúde e a saúde do planeta?
Sua produtividade pode atrapalhar sua produtividade
“Meu desejo de ser produtiva me fez odiar meu trabalho”, diz a autora do artigo You don’t have to be productive, publicado no blog Strangelove Letters. No texto, ela fala sobre como a vontade de dar conta de tudo a fez encarar suas tarefas como um monte de itens indesejáveis dos quais deveria se livrar o mais rápido possível.
A obsessão com os resultados finais fez com que ela considerasse o processo até chegar no objetivo como um incômodo, “um sapo que temos que engolir para conseguir o que queremos”. Me identifiquei demais com esse relato, e sei que muita gente também pensa assim.
E isso é muito problemático, né? Afinal, como ressalta a autora, o processo de trabalhar em prol da meta é o mais valioso, porque envolve a expansão de nossas habilidades e capacidades. “Dane-se a produtividade. Foque no processo em si”, ela defende.
O texto Por que tentar ser produtivo o tempo todo é improdutivo, no site Papo de Homem, também vai nessa linha. Nele, a jornalista Gabrielle Feola conta como uma aula da graduação em psicologia a ajudou a entender que romantizar o excesso de trabalho não só prejudica gravemente nossa saúde, como também atrapalha o próprio trabalho. Isso porque é fisicamente impossível manter um altíssimo nível de produtividade por muito tempo.
Gabrielle defende a importância de nos cuidarmos por nosso próprio bem, escutando nossas necessidades e garantindo nosso bem estar. Pra isso, é preciso evitar a valorização do cansaço como sinal de orgulho e mérito, tão comum na nossa sociedade.
Ela acrescenta: “No entanto, se você não está convencido a fazer isso por si mesmo (como eu não estava), se isso lhe parece egoísmo e frescura, algo que você não pode se dar ao luxo, então pense que esse ciclo de exaustão não vai fazer bem nem sequer para o seu trabalho e para a sua carreira”.
Dá para ser produtivo de forma equilibrada?
Não quero dizer que toda a humanidade deveria simplesmente parar de produzir ou reduzir drasticamente a produção de uma hora pra outra. Eu mesma estou produzindo nesse momento, enquanto escrevo esse texto, na esperança de que ele seja útil pra alguém.
No sistema em que vivemos, é necessário trabalhar e ganhar dinheiro (ao menos se você não nasceu herdeiro). E além disso, criar coisas novas é prazeroso e pode nos fazer muito bem.
“É natural do ser humano a capacidade de aprendizado, neuroplasticidade, o prazer de aprender que vem com isso. E também as motivações de pertencimento material e imaterial. (…) Ter desejos e querer coisas pode ser saudável, claro, mas talvez a urgência de estar sempre correndo atrás de um objetivo esteja nos tornando dependentes de colocar uma utilidade em tudo o que fazemos.”, disse Nataly Simon da Perestroika no aulão Chega de auto-aperfeiçoamento sem fim, disponível no Youtube.
A questão, então, não é que ser produtivo seja necessariamente ruim. Mas uma mentalidade baseada em produtividade não precisa ser nosso estilo de vida, e a execução das nossas tarefas não precisa ser pautada em uma pressão por eficiência acima de tudo – inclusive da nossa felicidade e bem estar.
Nesse sentido, gosto do conceito de Disciplina Gentil (Tender Discipline, no original), que é tema desse episódio do podcast Hurry Slowly (em inglês). A ideia é que tentemos rever a forma cruel em que falamos com nós mesmos dentro das nossas cabecinhas. É normal reproduzirmos as cobranças que internalizamos durante a vida, mas dentro das nossas possibilidades talvez dê pra ir mudando esse discurso interno e nos tratar com mais gentileza.
“Imagine que fazer seu trabalho é como dar à luz uma criança: que tipo de doula você é consigo? Firme, mas encorajadora, que confia, diz que você vai conseguir e segura sua mão? Ou que lhe manda parar de reclamar e se queixa constantemente do seu desempenho?”, questiona Jocelyn K. Glei no podcast.
Vejo caminhos como o da “disciplina gentil”, o “slow living” e similares como bons parâmetros pra gente se cuidar individualmente nessa sociedade doida. Pra se curar da obsessão por ser mais produtivo, é preciso estar sempre atento às cobranças excessivas e manter o foco no processo e na criatividade, mais que nos resultados.
No entanto, não acredito que seja possível resolver de fato os nossos problemas com a produtividade de forma individual, porque essa é uma questão estrutural. A imensa maioria das pessoas não tem condições nem de se fazer esses questionamentos, quanto mais de fazer mudanças consideráveis na sua realidade.
Perceber que “o buraco é mais embaixo” pode ser muito frustrante. Ao mesmo tempo, acredito que a consciência de que o problema vai muito além dos nossos umbigos é essencial pra acharmos formas coletivas de sair do buraco. Afinal, olhar só pra si não é só individualista, mas também ineficaz.
Também acha que nem sempre a gente precisa ser mais produtivo e que essa cobrança tá adoecendo as pessoas e o planeta? No livreto Críticas à Produtividade, expandi essa discussão em 50 páginas de conteúdo. Tem curadoria de fontes nacionais e internacionais, textos autorais, uma colagem analógica baseada no tema, entrevistas e muito mais. Clica aqui pra saber mais ou aqui pra comprar o seu.
Crédito da foto em destaque no topo do post: Pexels, Creative Commons (direitos de uso liberados)
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2 Comentários
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Dicas muito relevantes, quase todas eu costumo cumprir.
Notei que o que muda tudo é a rotina de sono, não regulei ele durante muito tempo e por mais que me esforçasse tudo ficou uma bagunça e não rendia 100%
Além disso acho que é importante focar no muito importante e objetivos do momento mesmo, porque tentava fazer tudo e isso não da certo. Va com calma, meio minimalista, porque muita coisa tudo fica meio ruim.
Preciso de ser mais produtivo :) Também gostaria de saber como preencher a minha vida com coisas importantes. Espero realmente que a nova ferramenta produtiva que comecei a utilizar (kanbantool.com) me ajude a atingir os meus objectivos, e me torne uma pessoa mais estruturada :)