Por que precisamos ler mais livros escritos por mulheres
Você gosta de ler? Ótimo. Vamos fazer um exercício. Olhe pra sua estante, ou pra lista de títulos que leu no último ano. Quantos deles foram escritos por mulheres? Provavelmente, a resposta será “poucos”. Infelizmente, não é só na sua biblioteca pessoal que isso acontece: ler mulheres não é um hábito muito comum.
Em 115 anos de existência do prêmio Nobel de Literatura, apenas 13 mulheres foram vencedoras. Nos 60 anos do Jabuti, principal premiação brasileira da área, só 19,9% dos 84 vencedores na categoria romance foram mulheres.
Quer mais estatísticas? Entre os 40 membros da Academia Brasileira de Letras, atualmente só cinco são mulheres. E a primeira a ocupar um dos postos, Rachel de Queiroz, só conquistou a cadeira 80 anos depois da criação da instituição.
E o problema não está só em premiações e reconhecimentos: ser publicada, pra elas, já é um desafio muito maior que pra os homens. Olha só esse outro dado: mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens.
A questão, aliás, tá longe de ser novidade, ou exclusividade nacional. Já pensou em quantas mulheres de vários países precisaram usar pseudônimos masculinos pra serem publicadas? Sabia que até a famosa Jane Austen passou a vida sem publicar nenhum romance assinado?
Por trás disso, reside uma montanha gigante de machismo. Desde a ideia de que a mulher é responsável pelo mundo doméstico e não merece acesso à educação formal às críticas a mulheres que falassem sobre assuntos considerados “indecentes” pra uma “dama”, por exemplo.
Isso inclui também a percepção de muitas editoras de que livros escritos por homens vendem mais. E nossa própria percepção, como leitores, sobre a “autoridade” de um escritor, que no subconsciente de muitos está atrelada ao gênero. Afinal, quantos escritores homens você consegue citar como cânones da literatura brasileira? E quantas mulheres?
Concentrar nossas leituras em autores masculinos é perder o que metade da população tem a contar e reforçar uma ideia de “feminino” criada a partir da concepção masculina sobre as mulheres. Ler mulheres, por outro lado, é uma forma de enxergar outras perspectivas.
A gente se engana achando que tem total poder nas nossas leituras, enquanto a situação é bem mais complexa. Por trás do que escolhemos ler, existe toda uma história de detenção do poder pelos homens.
Além do gênero
Não só homens, aliás: homens brancos, heterossexuais, de classe média e moradores de grandes cidades. Que são, segundo uma pesquisa da Universidade de Brasília, a maioria dos romancistas brasileiros publicados por grandes editoras.
E também são, vejam só, a maioria dos seus personagens: 60% das 692 histórias analisadas pela pesquisa são protagonizadas por homens, sendo 80% brancos e 90% heterossexuais.
Se a situação das mulheres na literatura já é ruim, ela piora muito se fizermos um recorte racial. Sabe aquelas poucas mulheres que ganharam o Nobel? Só uma é negra. E as do Jabuti? Nenhuma – num país onde mais da metade da população se considera preta ou parda.
E sabe aquela pesquisa da pesquisa da UnB que mencionei lá em cima? Ela também mostrou que mulheres e homens negros são absurdamente sub-representados tanto no rol de autores (2%) como no de personagens (6%). Dentre as centenas de obras analisadas, só seis trazem mulheres negras como protagonistas e outras duas como narradoras.
Na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), grande evento anual dedicado à celebração da literatura, a primeira vez em que um autor negro foi homenageado foi em 2017. Isso aconteceu 14 anos depois da criação do evento, e após críticas em relação à branquitude do festival.
Muita gente ainda acha que livros escritos por mulheres são feitos só pra mulheres e os chama de “literatura feminina”, enquanto outros dizem que livros escritos por negros são “literatura negra”.
Já parou pra pensar por que não falamos também de “literatura masculina” ou “literatura branca”? Por que consideramos que o branco e masculino é universal e outras perspectivas são exceções?
O perigo de uma única história
Nos acostumamos a ler histórias, sejam elas reais ou ficcionais, escritas por quem mantém o poder em quase todos os cantos do mundo: homens brancos. E isso tem grande influência em nossa visão de mundo.
Enquanto escrevia esse texto, lembrei do vídeo do TED “O perigo de uma única história”, da excelente escritora nigeriana Chimamanda Adichie. Na fala, ela observa que assim como nossos mundos econômico e político, nossas histórias também são definidas pelas estruturas de poder mundiais.
E quando mostramos uma só visão sobre um povo, repetidamente, é aquilo que ele se tornará aos olhos de todos. Um bom exemplo, que ela aborda no vídeo, é a ideia que a maior parte do mundo faz sobre o continente africano, visto como um bloco homogêneo e repleto de estereótipos, em sua maioria negativos.
Não costumamos ter acesso a histórias sobre (e produzidas pelos) os diferentes povos africanos e muitos outros grupos sociais marginalizados. “Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade perdida”, diz Chimamanda.
Movimentos para ler mulheres
Felizmente, questões como a da desigualdade de gênero na literatura têm vindo à tona com frequência nos últimos anos. Um exemplo é o movimento #readwomen, criado pela jornalista inglesa Joanna Walsh em 2014.
Depois de escrever um artigo sobre a falta de representatividade feminina no meio literário, ela resolveu passar um ano lendo só livros escritos por mulheres. E o que era um projeto pessoal ganhou dimensão política e internacional.
No Brasil, foi criado o #LeiaMulheres, que vai muito além de uma hashtag: em várias partes do país, clubes de leitura foram formados pra debater mensalmente obras escritas por mulheres. Já são 106 cidades, em quatro anos de projeto.
E várias outras iniciativas fortalecem esse movimento, como o site Mulheres que Escrevem, que virou também podcast, e os projetos pra incentivar a leitura de obras de mulheres negras.
Frases como “ah, mas eu não ouvi falar em muitas escritoras negras” ou “não tem mulheres escrevendo nos gêneros literários que eu mais gosto” não colam mais. Uma simples busca no Google permite encontrar diversas sugestões de boas autoras pra conferir.
Essa lista de 55 obras imperdíveis de autoras incríveis, essa que fala em 20 escritoras extraordinárias, essa outra com 10 sugestões de autoras negras de diferentes origens, essas dicas de 12 obras de autoras latino-americanas e essa compilação de poetas negras da literatura brasileira são só alguns exemplos.
A partir daí, podemos ir ampliando cada vez mais nosso olhar. Que tal descobrir a literatura produzida em países que você nem sabe localizar no mapa, como faz o projeto 198 Livros (que inspirou o Legendi Mundi, focado em livros escritos por mulheres de várias partes do mundo)? Que tal consumir mais obras produzidas por pessoas que não são cisgênero e hétero?
A pergunta do título desse post é “por que ler mulheres?”, e enquanto mulher acredito que é importante se reconhecer nas vozes de outras mulheres, acostumadas que estamos a ver muitos homens falando por nós. Também acho importante apoiar os trabalhos de outras mulheres e ajudá-las a quebrar barreiras impostas socialmente.
Mas de certa forma, o título também podia ser “por que não devemos nos abastecer culturalmente apenas – ou majoritariamente – com o que é produzido por quem está no poder?”. E a resposta é ao mesmo tempo complexa e muito simples: porque o mundo é diverso e é essencial entende-lo como tal pra ampliarmos nossa compreensão sobre ele.
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6 Comentários
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Adorei o post e concordo muito com o seu incentivo, existem tantos livros incríveis escritos pelas minorias que você mencionou e que não tem tanto destaque, que vale muito a pena ficar atento à isso.
Ahh, obrigada pelo comentário <3 Adoro te ver por aqui hehe :) Um abraço!
Excelente reflexão sobre mulheres escritoras. Muitas escrevem e publicam, mas não recebem a merecida atenção.
Pois é, Neuzamaria! Uma pena! Vamos tentar ir mudando isso, né? :)
É natural, mas me conecto muito mais com livros de mulheres. O post traz uma excelente reflexão! Parabéns
Eu também!