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Mundo à Volta: casal viaja produzindo vídeos pelo olhar dos habitantes locais

Viajantes | 20/06/16 | Atualizado em 23/06/16 | Deixe um comentário

Descobrir experiências genuínas mundo afora e retratá-las em vídeo, tendo como ponto de partida o olhar de moradores de cada lugar. Essa é a ideia por trás do projeto Mundo à Volta, criado por um casal de gaúchos depois que eles decidiram deixar os empregos tradicionais e apostar em uma mudança de vida. A história de Gabi e Lucas podia ser mais uma dentre tantas outras com o título “Casal larga tudo para viajar pelo mundo”, mas me chamou atenção pela sensatez com que eles encaram a empreitada.

Em textos como esse, sobre coisas que eles aprenderam no começo do projeto, e esse outro, em que refletem sobre ser nômade digital ou “location independent”, Gabi e Lucas ressaltam que ser um viajante empreendedor é uma delícia, mas também extremamente desafiador. Que viver na estrada é enriquecedor, mas cansativo. Que por mais que você se planeje, só vai aprender certas coisas na prática. E que ter um estilo de vida assim não significa necessariamente abrir mão de um cantinho pra chamar de seu e dar adeus a qualquer rotina. Pra mim, foi um respiro no meio de muita romantização desse estilo de vida e polarizações do tipo “acomodado X aventureiro”, sabe?

“Se você também deseja muito se aventurar, apenas tenha uma conversa muito franca com você mesmo antes de decidir qual rumo seguir. Tem um monte de gente experimentando novos caminhos, mas só você pode construir o seu”, diz Gabi. Eu não poderia concordar mais, então fui atrás deles pra saber mais sobre a história e contar aqui no blog :)

O PROJETO

Gabi e Lucas têm 30 e 31 anos, respectivamente, e trabalhavam há anos em empregos ~tradicionais~. Ela, administradora, atuava como executiva da área de branding de uma multinacional, enquanto ele trabalhava em agência como redator publicitário. A história podia ter continuado assim e ser muito feliz, mas eles começaram a se perguntar sobre seu propósito na vida e tomaram coragem pra deixar os empregos e trabalhar produzindo vídeos por aí agora. Detalhe: eles tinham zero experiência em audiovisual.

Parece uma decisão meio loka, né? :P Mas só parece. É que antes de partir, eles passaram mais de um ano juntando uma poupança, aprendendo a produzir e editar vídeos e comprando os equipamentos básicos pra começar. Aproveitaram o Carnaval pra fazer um projeto piloto no Uruguai e ver o que precisavam ajustar, e em setembro de 2015 colocaram a vida em duas mochilas e foram pra Argentina entrevistar pessoas e registrar tudo no blog e no canal do Youtube.

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Diferentemente de outros projetos parecidos, a viagem não tem um cronograma superdefinido, mas eles têm planos legais que contam na entrevista abaixo. E tudo tá amarrado numa proposta em que acredito muito: viajar olhando mais pra o mundo à volta, ou seja, prestando atenção nas pessoas e na cultura que formam o lugar, indo além dos produtos turísticos pasteurizados.

Afinal, como eles ressaltam, apenas 5% do dinheiro gasto por turistas em países subdesenvolvidos beneficiam as economias locais. Por que não contribuir pra mudar isso? Por que não tornar sua viagem uma experiência ainda mais positiva pra você, conhecendo pessoas especiais e vivendo os lugares de formas incríveis, e também trazer valor (inclusive financeiro, mas não só) pra quem te recebe?

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Até agora, Gabi e Lucas já passaram por umas 30 cidades no Uruguai, na Argentina e no Chile e produziram 25 vídeos. Pra saber mais, confira a conversa que tive por e-mail com Gabi:

Janelas Abertas: Quando foi que vocês perceberam como é importante viajar de forma mais consciente e decidiram que esse era o propósito de vocês?

Gabi: Quando nos conhecemos, mal tínhamos completado 20 dias de namoro e decidimos ir viajar de férias juntos para San Pedro de Atacama, no Chile. Lá, começamos a perceber o quanto os turistas se envolvem pouco com as culturas locais, pois visitam sempre os lugares chegando em vans de agências, muitas vezes com guias que não são são do lugar, e pouco acabam sabendo sobre a realidade dali. Voltamos para Porto Alegre, depois dessa viagem, e começamos a estruturar o projeto pensando nisso. No quanto o nosso projeto (que ainda era só uma ideia nessa época) poderia contribuir para mudar isso, inspirando as pessoas a sair da sua zona de conforto quando viajam. Não temos nada contra viagens tradicionais, quem faz selfie em ponto turístico e essas coisas (até por que nós também fazemos isso), o nosso único objetivo é inspirar as pessoas a pensar um pouquinho mais sobre a cultura do lugar onde estão. Buscar se envolver com o que há de mais genuíno, conhecer as pessoas, trocar. Entender que as suas escolhas (hotéis, restaurantes, tours) influenciam diretamente na realidade de um lugar, podendo ajudar ou prejudicar uma cultura.

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Como foi encarar esse desafio auto imposto de fazer vídeos, sendo que não tinham experiência com isso? 

Passamos um ano estudando e praticando vídeos. Não tínhamos ideia do desafio que estávamos impondo a nós mesmos. Quando você ganha uma liberdade que nunca teve antes, pode ficar totalmente perdido sem saber como lidar com ela. Deixamos os nossos empregos e não tínhamos ideia da quantidade de trabalho que estávamos atribuindo para nós quando ganhamos essa suposta liberdade. Sempre dizemos para as pessoas cuidarem para não sair de uma prisão e criar outra. Hoje, quase 9 meses depois que começamos o projeto de conteúdo, lidamos de forma bem mais light com a obrigação de produzir e ter frequência com o público. Viajar e trabalhar não é nada fácil e a gente sentiu isso logo nas primeiras duas semanas de viagem. E, honestamente, sinto que as pessoas não têm tanto tempo assim de ficar lendo tudo que a gente publica, então essa loucura de um vídeo por semana, um ou dois posts por semana, mil posts por dia nas redes sociais, já não temos mais. Preferimos fazer um conteúdo de qualidade (e ter qualidade de vida) do que ficar publicando uma enxurrada de posts apenas para ter frequência. Não sei dizer se essa foi a estratégia certa, mas nos ajudou a viajar de forma menos desgastante.

Como vocês fazem pra buscar experiências genuínas em cada lugar por onde passam? Como encontram os “embaixadores” que entrevistam?

Normalmente fazemos uma pesquisa prévia do que é mais “originário” de cada cidade, e essa pesquisa (que pode ser de lugares, manifestações culturais, comidas, qualquer coisa) acaba nos levando a pessoas. Já aconteceu de marcarmos entrevistas com antecedência e darem super errado e também de conhecermos alguém totalmente ao acaso, que acabou sendo a pessoa perfeita para falar sobre determinado assunto. Muitas vezes, quando achamos que chegamos ao tal “embaixador”, essa pessoa nos leva a outra que é de fato uma porta-voz perfeita – até melhor do que a primeira pessoa. A pesquisa prévia nos guia, mas tudo acontece de forma bastante orgânica. Somos bem “cara de pau”, podemos chegar em qualquer lugar perguntando quem é que as pessoas vêm como representante perfeita daquele assunto. E assim as relações começam a se estabelecer de forma bastante natural. Mas, pra isso não dá pra ter vergonha. Outra coisa que ajuda muito é ser brasileiro. Somos muito “boa praça”, todo mundo gosta da gente, é impressionante. Basta chegar com um sorriso no rosto e de boa fé, que muitas portas se abrem.

De todas as experiências que viveram até agora e pessoas que conheceram através do projeto, dá pra escolher alguma mais marcante?

É bem difícil escolher, mas tem uma história que nos emocionou muito em Cafayate, na província de Salta (Argentina). Conhecemos um músico amador, um senhor que trabalha como pintor (de casas) e professor de escola pública, muito pouco reconhecido na cidade. Todo mundo de lá conhece ele por ser amigo de outro músico, esse sim famoso. Um fanfarrão que não tem nenhuma composição própria e anda sempre bêbado pelos bares, cantando músicas famosas pra ganhar dinheiro dos turistas. O Martin, nosso amigo pintor e músico amador, anda sempre ajudando esse cantor fanfarrão e não cair pela sarjeta. Um dia, os dois apareceram no nosso hostel pedindo para se apresentar. O fanfarrão fez um ou dois números e já saiu a pedir dinheiro. E o Martin, tímido, pegou o violão e começou a tocar composições próprias, todas falando sobre a cultura de Cafayate. Nós vidramos nele, e decidimos gravar com ele o vídeo da cidade. Ele ficou tão emocionado com o nosso reconhecimento, e se sentiu tão lisonjeado em ter sido escolhido para falar em nome da sua cultura, que compôs uma música para mim e para o Lucas, falando do nosso amor. No dia seguinte, apareceu lá no hostel com o celularzinho dele caindo aos pedaços pra nos mostrar a gravação da nossa música. É isso que a gente recebe quando reconhece e dá voz a uma pessoa que nem a sua própria cidade valoriza. É impossível não se emocionar.

Vocês estão juntos há quanto tempo? O que destacariam de mais positivo e de mais desafiador em viver dessa forma em casal?

Estamos juntos há dois anos e meio e já morávamos juntos antes da viagem há mais de 1 ano. Nós somos dois arianos nascidos no mesmo dia, 20 de abril, acho que por isso tudo com a gente foi muito rápido. Nos conhecemos e 6 meses depois já estávamos morando juntos, criando o projeto e guardando grana. O que tem de mais positivo pra nós é que dividimos muito bem as tarefas no projeto, eu faço toda a parte de “relações públicas”, mídias sociais, operacional (finanças e comercial) e o Lucas filma, edita e cria vídeos e posts. Cada um focou nas suas forças, mas no início não era bem assim. Demorou pra gente se acertar nisso. Antes os dois queriam fazer tudo, e isso pode ser uma das coisas mais desafiadoras. Fora a convivência, que é muito intensa. Tem que ter muito amor, tolerância e paciência pra se aguentar 24 horas por dia, trabalhando e viajando, dividindo contas, escolhendo onde ficar, o que comer. Nossos primeiros meses de viagem foram super caóticos, mas depois vencemos isso e hoje já está tudo mais automático.

Vocês falam muito da importância de ter calma e paciência, especialmente no início de uma jornada como essa. O que diriam pra alguém que também pensa em fazer a transição pra um estilo de vida “menos convencional” e é muito ansioso (presente o/)?

Presente também o/, afinal arianos querem tudo e querem agora! Logo, se a gente conseguiu sobreviver… hehehe. Eu acho que não adianta muito querer controlar os instintos, sabe? É que nem querer controlar expectativa. Expectativa existe e ponto, não dá pra ficar evitando ter expectativa por que “oh, céus, depois posso me decepcionar”, que nada! Deixa ter expectativa, oras. O que a gente tem que aprender é a lidar com ela, não evitá-la. Que sem graça a vida sem expectativa, é tipo não esperar nada dela. E eu não sei viver sem esperar nada. Pra nós o lance é reconhecer a ansiedade e saber no que ela pode ser útil, e no que ela não ajuda em nada. A nossa ansiedade nos ajudou a adiantar muita coisas antes da viagem, organizar muitos detalhes, aprender muita coisa sobre vídeos, criar o site com mil dias de antecedência. Quando falamos sobre calma e paciência, tem a ver mais com já querer resultados rápido. Isso não ajuda em nada, porque trabalho de conteúdo leva MUITO tempo para dar retorno. Você sabe disso, imagino. Não adianta fazer meia dúzia de posts e já querer bombar.

No post sobre “location independence”, vocês falaram sobre ter a liberdade inclusive de não viajar se não estiver a fim e sobre querer ter um lugar pra onde voltar. Vocês acham que muita gente trata essa questão do apego X desapego como “8 ou 80”?

Acho que sim, sabe? Mas entendo também que é uma ruptura necessária com um estilo de vida anterior que já não te fazia mais feliz. Só sei disso hoje porque “rompi” e porque analisei muito tudo que acontecia dentro de mim nesse período. Leio muito sobre nomadismo digital e, mesmo assim, me deixei levar por um romantismo com que hoje não concordo. O desapego virou quase que uma obrigação. Se você não é desapegado, então é acomodado ou fútil. E não é bem assim. Percebi valor em ser apegada a uma rotina, a fazer parte da dinâmica de uma sociedade, saber o nome das ruas, os mercadinhos do bairro, ter uma casinha decorada com as coisas que eu gosto. Mas, para me dar conta disso, precisei passar por uma fase de desconstrução total. Vender coisas, largar emprego, sair a viajar. Acho que é um processo natural o 8 x 80, só não acho certo “vender” isso como a única saída para a felicidade.

Vocês também falaram sobre o risco de “estragar” a paixão por viagens ao levar essa vida nômade. O que pretendem fazer pra evitar isso, mas continuar desenvolvendo o projeto e descobrindo o mundo?

Pretendemos viajar somente com planejamento. Agora estamos em Porto Alegre estruturando o projeto de uma série para TV. Se tivesse que sair para filmar amanhã, eu não ia querer. Mas, como estamos planejando QUANDO vamos, com quanto de grana vamos, para ONDE e O QUE vamos fazer, tudo parece fazer mais sentido na nossa cabeça. Não é viajar por viajar, entende? Descobrir o mundo para nós é algo que não tem prazo, pode durar a vida inteira. Viajar será algo sempre presente na nossa vida, porque queremos que o projeto se estruture dessa forma, com “expedições”. Ter para onde voltar é fundamental para valorizar o último lugar por onde você passou, assimilar tudo, digerir tudo que você viveu.

O que planejam pra o futuro próximo?

Planejamos uma série para TV sobre turismo comunitário na América do Sul que, se tudo der certo, começa a ser filmada no final desse ano. Para o blog, planejamos lançar guias da Argentina e do Chile. E para o Youtube queremos começar a compartilhar vlogs, falando sobre estilo de vida e compartilhando os nossos aprendizados, insights e inspirações.

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Todas as fotos que ilustram este post pertencem ao projeto Mundo à Volta

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