Resenha do livro Na Natureza Selvagem: viagem como busca de sentido
“Two years he walks the earth. No phone, no pool, no pets, no cigarettes. Ultimate freedom, an extremist. An aesthetic voyager whose home is the road. (…) No longer to be poisoned by civilization he flees, and walks alone upon the land to become lost in the wild. – Alex Supertramp”
Quem já sentiu isso – que sua casa é a estrada, que a busca por uma total liberdade faz-se necessária, ou que perder-se é a única forma de encontrar-se – deve se identificar com a história de Chris McCandless. Em 1990, esse rapaz de classe média norte-americano saiu de casa depois da formatura da faculdade sem avisar a ninguém aonde ia.
Doou US$ 24 mil em economias pra Oxfam, abandonou o carro, queimou o resto de dinheiro que tinha na carteira e inventou uma nova vida pra si mesmo na estrada: seu nome agora era Alexander Supertramp, mestre do próprio destino.
Depois de dois anos pegando carona, morando na rua e fazendo bicos, McCandless chegou ao que devia ser o ápice da sua jornada: uma incursão solo no Alasca – que, no entanto, terminou provando-se fatal (desculpa o spoiler, mas a informação tá na primeira página do livro!).
Muita gente já conhece essa história: o filme Na Natureza Selvagem (Into The Wild) foi dirigido por Sean Penn e tem uma das trilhas sonoras mais incríveis de todos os tempos, assinada por Eddie Vedder, de Pearl Jam. Só de ouvir essa trilha me dá arrepios e vontade de pegar uma mochila e cair na estrada imediatamente.
Mas confesso que apesar de ter me apaixonado perdidamente pela atmosfera do filme, na primeira vez que o assisti, há uns seis anos, fiquei com uma baita sensação de “Ô, menino. Pra quê causar tanta dor nas pessoas que o amavam?”.
Por isso mesmo, fiquei muito a fim de ler o livro que deu origem ao filme; afinal, no bestseller Into the Wild, ou Na Natureza Selvagem (lançado por aqui pela Cia. das Letras) Jon Krakauer tenta entender as motivações de Chris, investigando a fundo sua história e mostrando que toda a galera que lhe escreveu cartas com o mesmo “Ô, menino. Pra quê isso?” que eu pensei, ou criticando sua arrogância e falta de respeito com a natureza, não sabia muito bem do que tava falando.
Resenha do livro Na Natureza Selvagem
No começo do livro, Krakauer alerta: ele não tem a pretensão de ser imparcial. Afinal, o autor se identificou bastante com o personagem biografado, chegando à beira da obsessão, e admite que a história de Chris McCandless o tocou profundamente, o que “tornou impossível um relato desapaixonado da tragédia”.
O livro é uma grande reportagem – foi, inclusive, escrito como uma ampliação de uma reportagem de revista -, às vezes até um pouco “burocrática” pra o meu gosto. Não há dúvidas, no entanto, que Krakauer se esforça muito pra compreender Chris, falando muitas vezes em primeira pessoa ao defender as escolhas e atitudes do rapaz.
Ele procura uma explicação pra o estilo de vida pouco convencional que o garoto resolveu assumir – e que acabou, tragicamente, levando-o à morte. Durante boa parte do livro, o autor tenta traçar um paralelo entre o comportamento dele nessa viagem e suas ações em várias áreas da vida, desde a infância.
Pra isso, ele entrevista quase todo mundo que teve um contato mais intenso com Chris, desde a adolescência até a viagem de dois anos que culminou com a passagem pelo Alasca – aliás, me impressionei com o trabalho de apuração desse cara, que foi atrás de gente nos quatro cantos do país (ainda que aparentemente tenha cometido erros, como explico mais adiante).
Um dos pontos centrais é a análise da personalidade dos pais de Chris e dos acontecimentos que provocaram no rapaz uma indignação com o pai e uma grande desilusão em relação à sociedade.
E, também como parte dessa busca por compreender o personagem, Krakauer traça paralelos com outros jovens exploradores que tiveram um final trágico, com sua própria história de vida e com personalidades que influenciaram Chris, como Tolstói, Jack London e Thoreau – mitificados de uma forma não tão distinta quanto aquela em que somos apresentados a Chris McCandless, no fim das contas.
Por isso tudo, Na Natureza Selvagem é muito mais do que a história de um rapaz, de uma viagem ou de uma tragédia. É um livro sobre a paixão pelo desconhecido, a necessidade quase instintiva de contato com a natureza, a busca por algo dentro de nós mesmos, por um sentido maior pra vida, por espiritualidade.
É também sobre idealismo, coragem, inocência, a imprudência e os “ritos de passagem” da juventude e a necessidade de provar-se independente.
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McCandless, analisa o autor, gostava de desafiar-se, exigia muito de si mesmo e só atribuía verdadeiro valor às coisas difíceis – o que, denunciam muitos, acabou levando-o a uma morte prematura. Em menor escala, no entanto, muitos de nós sentimos algo parecido.
A busca de um propósito pra vida, a vontade de libertar-se das amarras sociais, o desejo de ver e sentir o mundo intensamente. Chris queria se afastar da civilização por um tempo, provar que conseguia se virar sozinho, testar seus limites. Queria descobrir quem ele era sem ser atrapalhado por todas as expectativas da sociedade.
E conseguiu fazer muito do que se propôs, ultrapassando vários desafios, até que infelizmente sucumbiu a um obstáculo final – o que não tira, a meu ver, o mérito de toda a experiência, mas reforça que é essencial estar preparado pra as adversidades.
A narrativa não é linear: e o livro faz várias idas e vindas, o que me deixou um pouco confusa quanto à ordem cronológica da viagem, mas a história flui bem. Há muitos trechos descritivos, com uma riqueza de detalhes impressionante.
E, ainda que não possa descrevê-lo como uma leitura superempolgante, me deliciei nessa viagem pela alma agitada de um jovem de personalidade complexa, enigmática, que cativava as pessoas rapidamente e profundamente, e ao mesmo tempo valorizava uma felicidade muito além do que vivenciamos nos relacionamentos com outras pessoas.
Entre as visões de um jovem egoísta e arrogante ou herói romântico eu fico com a ideia de um cara inteligente, idealista, talvez um pouco inocente, mas com certeza tão centrado em busca de um sentido pra sua vida quanto muitos de nós.
Pra quem quer saber mais sobre a história de Chris – que realmente virou um mito, levando milhares de pessoas ao ônibus 142, no Alasca, desde que começou a bombar na mídia – há muitas e muitas fontes pela internet, incluindo vários vídeos com entrevistas dadas pelos familiares e pelas pessoas que conheceram Chris, entre eles uma visita que fizeram ao Alasca em 2011 (onde o depoimento de Jan Burres, uma das pessoas que ele cativou no seu caminho, é mais emocionante que o de Billie McCandless, mãe de Chris).
Tem também um site criado por um fã, que reúne informações sobre a história e tudo que girou ao redor dela desde então, e o livro Back to The Wild, que traz uma compilação das fotos que McCandless tirou durante a viagem e das cartas que ele trocou com o pessoal que encontrou pela estrada.
Existe muita polêmica em volta da história: tem quem critique a família por fazer da vida e morte de Chris uma forma de ganhar dinheiro, por exemplo, e tem muitas especulações sobre o verdadeiro motivo da morte dele. Aparentemente, os fatos retratados por Krakauer contêm furos, como revelado no documentário independente The Call of The Wild, gravado na mesma época em que Sean Penn fazia a produção hollywoodiana.
Pra quem quiser saber mais sobre os argumentos que contradizem algumas das afirmações feitas no livro e no filme – como o fato de que Chris tinha sim um mapa, ou que ele não destruiu todos seus documentos – essa é uma boa fonte. No fim das contas, concordo com o que disse o próprio realizador do documentário: o motivo pelo qual Chris não conseguiu sair da “natureza selvagem” e voltar são e salvo não é a coisa mais importante, e sim por que ele foi até lá.
“I wanted movement and not a calm course of existence. I wanted excitement and danger and the chance to sacrifice myself for my love. I felt in myself a superabundance of energy which found no outlet in our quiet life” – Liev Tolstói, Family Happiness (passagem sublinhada em um dos livros encontrados com o corpo de Chris McCandless).
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20 Comentários
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Amei sua interpretação e me identifico com suas conclusões. por coincidência, acabei de rever o filme. Agora, vou reler o livro! Valeu!
Que bom que você gostou, obrigada! :)
Luisa, eu adorei tua crítica e to curiosíssima pra ler o livro e ver todas essas outras fontes de informação que você forneceu. Vi o filme e tive as mesmas sensações que você “Ô, menino. Pra quê tudo isso?”… achei ele muito radical nas atitudes. Mas a determinação dele de se perder pra se encontrar é fantástica e encantadora. Obrigada pelo post.
Oi, Tamires! Pois é, também achei ele muito radical… Mas o que o motivava na essência é bem verdadeiro e gostei muito de conhecer mais as motivações dele! Espero que você possa ler o livro ou conhecer um pouco mais da história :) Obrigada pelo comentário! Um abraço :)
Quando eu descobri esse post, não li pq não tinha visto o filme e nem lido o livro e não queria spoilers. Mês passado eu finalmente comprei e li o livro em uma sentada só – adorei! Não conseguia nem parar! E a curiosidade pra ver o filme agora só aumentou será que o filme é bem fiel ao livro ou nem tanto?
Oi, Fernanda! Que bom que você também gostou do livro ^^ O filme é razoavelmente fiel… Mais do que isso, acho que é muito bem feito. Gosto do roteiro, das atuações, da fotografia e principalmente da trilha sonora <3 Assiste e depois me conta o que achou!
Li o livro mais de uma vez, assisti o filme várias, pesquisei muito sobre ele na internet e nao me canso de rever essa história. Com certeza ele é meu herói. Gostei do seu texto :)
Oi, Mariana! Que massa encontrar uma grande fã da história de Chris ^^ Aqui em casa ficamos eu e minha mãe meio obcecadas hehe. Obrigada pelo comentário!