Caminho de Cora Coralina, Goiás: saiba tudo sobre a rota
Uma rota poética pelo cerrado brasileiro, o Caminho de Cora Coralina foi criado há poucos anos e tem conquistado ciclistas e caminhantes. Batizado em homenagem à poetiza Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, que adotou o pseudônimo Cora Coralina, o percurso de 300 km é autoguiado e passa por lindas paisagens no coração do Brasil.
O projeto, idealizado em 2013 e consolidado em 2018, mapeou um percurso conectando municípios, povoados, fazendas e atrativos do interior de Goiás. O Caminho foi dividido em 13 trechos, começando em Corumbá de Goiás e passando por Cocalzinho de Goiás, Pirenópolis, São Francisco de Goiás, Jaraguá, Itaguari e Itaberaí, até finalizar na Cidade de Goiás.
No site oficial do Caminho de Cora Coralina você encontra informações sobre distância, dificuldade, altimetria, hospedagens e serviços disponíveis em cada trecho.
Mas como é, na prática, fazer o Caminho de Cora a pé? Eu conversei com o viajante e produtor de conteúdo Richard Oliveira, goiano e meu amigo querido, que percorreu o Caminho de Cora Coralina sozinho em 2021 e produziu um documentário lindo sobre a experiência. O filme já teve mais de 1 milhão de visualizações e está disponível gratuitamente no YouTube:
Richard nasceu em Goiânia e ali viveu até os 27 anos, quando deixou sua terra para começar uma jornada como nômade, em 2017. Desde então, ele vem documentando suas experiências pelo Brasil e outras partes da América Latina no canal do YouTube e perfil do Instagram @vidademochila.
Ele é o goiano mais orgulhoso que já conheci e sempre faz questão de falar do cerrado e da cultura caipira com muito carinho. “Mesmo quando estou longe, sempre carrego um cigarro de palha feito em Goiás para tentar nunca me esquecer de onde vim”, diz. Ninguém melhor para compartilhar essa experiência, né?
A seguir, confira a entrevista com Richard sobre sua experiência no Caminho. E não deixe de ver o documentário e também o vídeo que está no final deste artigo, em que ele compartilha mais dicas para você se preparar para a peregrinação.
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Quantos quilômetros tem o Caminho de Cora Coralina?
O Caminho de Cora Coralina é uma trilha de longo curso com aproximadamente 300 quilômetros de extensão, que cruza as cidades históricas de Corumbá de Goiás, Pirenópolis, São Francisco de Goiás, Jaraguá e a Cidade de Goiás, abrangendo também os municípios de Cocalzinho de Goiás, Itaguari e Itaberaí.
Em quantos dias se faz o Caminho?
O Caminho de Cora Coralina foi feito para caminhantes e ciclistas. Se você for fazer o caminho a pé, como eu fiz, é necessário separar no mínimo duas semanas. A média de caminhada diária é de 25 quilômetros por dia, em 12 dias, e pelo menos 2 ou 3 dias de descanso no meio das caminhadas. De bicicleta, a estimativa é de 4 a 8 dias.
Qual é sua conexão com Cora Coralina?
A Cora é motivo de orgulho para a maioria dos goianos, mas como todo personagem histórico, ela não conseguiu agradar a todos. Ainda tem alguns conservadores que gostam de criticá-la porque, de acordo com os relatos, ela fugiu da Cidade de Goiás para tentar ser feliz com outro homem. Dado a época em que ela viveu e todo o contexto, acho ela revolucionária.
Além da atitude fora dos padrões, ela publicou o seu primeiro livro aos 76 anos. Um grande lembrete para todos nós que somos jovens e ansiosos de que nem sempre é tarde demais para tentar algo novo e ser reconhecido por isso. Esses são alguns dos motivos que me fazem estar no time de admiradores de Cora Coralina.
“Cora Coralina é aquela que busca, na intimidade do Ser, o substrato da vida e sensível colhe como matéria poética, as mazelas do mundo os tipos inúteis que vivem à margem da sociedade, colocando-se ao mesmo nível deles. É a porta da terra, do telúrico, do social, é a musa do cerrado”, diz o site do Caminho.
Qual tinha sido seu trekking mais longo antes desse?
Foi o Circuito W, no parque Nacional Tores del Paine, no Chile. Foram 70Km de pura trilha, carregando uma mochila de 16kg. Depois do Caminho de Cora Coralina, eu fiz outras caminhadas bem longas, como a Estrada Real.
Em quantos dias você fez o Caminho de Cora Coralina e por onde passou?
Foram 15 dias caminhando. Passei por Corumbá de Goiás, Pirenópolis, Caxambú, Radiolândia, São Franscisco de Goiás, Jaraguá, Vila Aparecida, Alvelândia, Palestina, Itaguari, São Benedito, Calcilândia, Ferreiro e Cidade de Goiás.
O que te motivou a fazer essa caminhada?
Eu sempre quis fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Muito por causa de um filme que me emocionou muito, chamado “The Way”, que foi gravado nesse trajeto. Mas é caro e muito longe.
Quando descobri que poderia fazer algo do tipo no Brasil, já me empolguei um pouco mais, e quando eu soube que tinha um caminho assim no meu próprio Estado, não me faltou motivação para fazer. Por isso escolhi o Caminho de Cora como a minha primeira peregrinação sozinho.
O caminho é bem sinalizado?
O Caminho é demarcado e recebe manutenção com ajuda dos voluntários da Associação do Caminho de Cora e da Rede Brasileira de Trilhas. É uma sinalização na forma de uma pegada de bota amarela. Além disso, também usei os mapas offline dos aplicativos Wikiloc e Maps.me.
Como são as hospedagens no Caminho de Cora Coralina?
Existem hospedagem das mais variadas. Em alguns trechos eu fiquei em fazendas no meio do caminho, hospedado em um quarto da casa. Em Itaguari eu dormi em uma pousada em cima de um posto de gasolina. Também fiquei em pousadas nas cidades maiores, e até em uma antiga escola que virou um hostel para receber peregrinos, na cidade de Palestina.
Tentei reservar uns dois dias antes e ia entrando em contato com cada hospedagem para falar se realmente ia chegar no dia. Esse caminho está longe de ser um trecho cheio de caminhantes, então é tranquilo encontrar vagas nas hospedagens.
Qual a melhor época para fazer o Caminho?
Eu fui no verão, em fevereiro. Apesar de ter dias bem quentes, com o sol do cerrado na cabeça, também peguei um pouco de chuva. Acho que os períodos de transição são os melhores. Na seca do Centro-oeste, que vai de abril a setembro, eu teria que carregar muito mais água e peso nas costas. Sem falar dos trechos que têm pouca sombra; seria muito sofrimento.
Você sempre começava a caminhar bem cedo?
Sim, porque eu gostava de ver o nascer do sol na estrada e também porque conseguia caminhar com muito mais energia sem o sol fritar meus miolos. Além disso, pela manhã é mais fácil encontrar animais na natureza, como corujas e tamanduás, e eu me amarro nesses encontros. Outro motivo é que eu chegava mais cedo nas cidades, almoçava e já podia curtir a tarde ou noite no lugar.
Qual foi seu trecho preferido? E o mais difícil?
Meu trecho favorito foi entre Corumbá de Goiás e Pirenópolis, porque pude passar dentro do Parque Estadual dos Pireneus. Ele é lindíssimo, cerrado puro, cheio de paisagens incríveis, cachoeiras como o Salto do Corumbá e MUITO VERDE.
O pedaço entra Itaguari e Calcilândia foi o mais difícil. É um trecho com muitas retas, que cruzam várias fazendas de soja. A paisagem não muda, você não encontra uma alma viva, tem pouca sombra e ainda ter que percorrer de 20km a 40km refletindo sobre os latifúndios do Brasil. É duro.
O que foi mais desafiador em termos físicos e emocionais?
Ficar sozinho por tanto tempo as vezes é desafiador porque você acaba sendo obrigado a pensar em alguns problemas, traumas e experiências em que normalmente não pensa no dia a dia porque está distraído com amigos, internet, TV, celular etc. No meio do nada, sem sinal de celular, não para onde fugir.
Alguns trechos acima de 25km podem ser duros, principalmente se você está carregando muito peso. Eu decidi fazer sem pressa justamente para ir me fortalecendo ao longo do caminho. Nos primeiros dias tentei caminhar menos kms por dia e fui aumentando a dose até terminar, respeitando meus limites.
E o que foi mais gratificante?
Sabe aquela expressão que fala de matar um leão por dia? Como o caminho se vence dia a dia, é muito interessante ver como a gente reage em certos desafios. Por exemplo, quando você acorda quebrado, sem nenhuma vontade de caminhar, no meio da chuva e depois de algumas horas voltar a sorrir por causa de um cachorro que começa te acompanhar.
A imprevisibilidade do caminho é algo que acho incrível. A cada quilômetro você nunca sabe o que vai acontecer; às vezes você conhece alguém superinteressante porque pediu água e as vezes não acontece nada mesmo. Mas você nunca sabe o que esperar de fato, e eu acho isso lindo demais.
“Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.” – Cora Coralina
Que lugares, hospedagens e pessoas você mais recomenda conhecer?
A casa do Bismarque, no distrito de Pirenópolis, é uma das paradas mais interessantes. Além de ser um sítio lindo, no meio do cerrado, com trilhas e cachoeiras lá dentro, o Bismarque foi uma das pessoas que mapearam e ajudaram a fazer o Caminho sair do papel. Ele tem muita história para contar e se amarra em receber os peregrinos.
Entre as paradas do caminho, as diversas cachoeiras ao redor de Pirenópolis são lindíssimas. Eu gosto muito da Cachoeira do Abade e as Cachoeiras da Fazenda Bom Sucesso.
O Caminho tem muitos trechos em estradas?
Acredito que nesse caminho, pelo menos uns 10% do caminho é feito em estradas pavimentadas. A grande maioria é em estradas rurais. Tem um pouco de trilha também, mas acho que não chegam a ser 10% do percurso.
Tem um passaporte para pegar carimbos, como em Compostela?
Sim, você pode pegar o passaporte em Goiânia, Brasília, Corumbá ou em Pirenópolis. À medida que você percorre o trajeto, seja caminhando ou de bicicleta, você pode pegar os carimbos nas hospedagens ou estabelecimentos credenciados, que você encontra no site oficial do Caminho. Depois que tiver todos os carimbos, você pode solicitar um certificado no final do caminho.
Como se sentiu em relação à segurança?
Eu não me senti muito seguro quando fazia os trechos na rodovia, porque nem todos os carros estão acostumados com andarilhos no acostamento. Outra coisa que vez ou outra me colocava em alerta eram os cachorros das fazendas, que às vezes iam para cima de mim.
Além disso, você vai passar por lugares bem isolados, e não sei definir se é seguro nesse ponto. Mas sei que em muitos dos trechos hoje em dia é possível até usar antenas de Wi-Fi que foram colocadas para auxiliar na sensação de segurança de quem faz o caminho.
O que você levou na mochila para o Caminho de Cora?
Uma jaqueta corta-vento, três mudas de roupas leves, lanterna de cabeça, alguns itens para cuidar dos pés (vaselina, agulha, linha), duas garrafas de água de 1l, capa de chuva, bastão de trekking.
É importante ir só com o essencial. O que mais pesava minha mochila era o equipamento de filmagem que estava levando para gravar o documentário: Drone, Câmera Sony, GoPro, microfone, tripé pequeno, várias baterias etc.
Quanto custa fazer o Caminho de Cora Coralina, em média?
Algumas hospedagens oferecem estadia na modalidade pensão, então você paga hospedagem, almoço, jantar e café da manhã. No geral, sai em torno de R$150 por dia.
Como foi a sensação de chegar no final?
Foi menos glamuroso do que eu imaginei. Eu cheguei debaixo de chuva, tinha poucas pessoas na rua, e por mais que estivesse celebrando uma conquista, estava sozinho, e não sou o tipo de pessoa vai sair contando tudo que estava passando para pessoas aleatórias na rua.
Então fui para a pousada descansar e celebrei comendo uma das minhas comidas favoritas de Goiás, um belo Empadão Goiano. Às vezes celebrar na introspecção também é foda. Nem sempre a gente vai ter alguém para abraçar, então foi bonito viver aquele momento sozinho.
Como foi peregrinar gravando um documentário?
Esse foi um dos maiores desafios. Sendo bem sincero, é difícil se motivar para tirar a câmera ou subir o drone depois de caminhar de 20km a 30km debaixo do sol quente. Eu estava quase sempre muito cansado, então precisa ter foco para entender que aquilo seria algo para eu relembrar eternamente depois.
Quando eu estava sem energia, eu pensava no Richard de 50 anos vendo essa presepada. Isso me ajudava na motivação de fazer várias pausas, mesmo quando estava em um bom ritmo de caminhada, para pensar também no filme e não só em chegar na próxima cama e descansar. É um processo intenso.
Tem algo que faria diferente?
Como foi minha primeira peregrinação, levei saco de dormir e barraca, pensando que se ficasse cansado poderia simplesmente armar a barraca e dormir em qualquer canto. Mas na metade do caminho eu vi que era só peso extra e decidi enviar os dois itens para minha casa em Goiânia e viajar mais leve.
No começo eu também levei kit de primeiros socorros, mas não precisei usar quase nenhum dia, então também despachei. Entendi que se precisar de algo do tipo, posso comprar de forma emergencial nas farmácias das cidades ou pedir para alguém nas hospedagens.
Para mais informações sobre como se preparar para o Caminho de Cora, veja esse vídeo de Richard Oliveira:
E aí, você já conhecia o Caminho de Cora? Curtiu a entrevista? Me conta aí nos comentários!
As fotos que ilustram o post são frames dos vídeos de Richard Oliveira, publicados no Janelas Abertas com autorização do autor. A foto em destaque, no topo do artigo, é da Deposit Photos.
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4 Comentários
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Conheci o Richard quando ele fez o Caminho de Cora Coralina, e desde então o sigo, ele passa muita verdade em seus comentários, nos faz ver que nosso dia a dia não é nada comparado a que se aventura caminhar tanto tempo sozinho, estar consigo mesmo por tanto tempo é o maior desafio que uma pessoa possa passar!
Ele é inspirador, né? Sempre que o vejo nas caminhadas fico com vontade de sair caminhando por aí também!
Ele não trabalha?
Sim, trabalha muito com produção de conteúdo de viagens :) Fazer documentários sobre as peregrinações 100% sozinho foi extremamente trabalhoso, por exemplo – e é só uma parte das coisas que ele faz.