Economia criativa: como lidar com a precariedade?
Redatora, designer, fotógrafa, blogueiro, músico, produtora, videomaker, estilista, artista plástica, tatuador. Na bolha de pessoas com quem convivo, a maioria tá envolvida em atividades que fazem parte da chamada economia criativa. É gente que usa ideias como matéria-prima, vendendo produtos e serviços que têm o preço determinado em grande parte por coisas intangíveis, como o cuidado estético, a mão de obra especializada ou um conceito inovador.
Mas essa bolha tá longe de ser única: depois de sairmos do predomínio da agricultura pra fase industrial e dela pra era do conhecimento, chegamos a uma realidade em que a criatividade e a inovação tão entre os principais fatores de competitividade entre pessoas, empresas e países. Num mundo globalizado e internetizado, a informação por si só não é mais tão exclusiva: a diferença tá em como ela é usada.
Não sou eu que tou inventando: de acordo com o Relatório sobre Economia Criativa publicado pelo PNUD e pela Unesco em 2013, a economia criativa tem uma força de transformação poderosa mundo afora. “Trata-se de um dos setores da economia mundial que mais cresce, se forem observados índices de geração de renda, de criação de empregos e de ganhos com exportação”, diz o Guia do Empreendedorismo Criativo do Sebrae.
Que massa, né? Sei que nada disso é novidade, mas gosto de pensar em como novas ideias podem mudar as pessoas e o mundo. E mais: como tem cada vez mais gente que empreende com a motivação voltada mais pra o trabalho em si do que porque quer “fazer negócios”, e com os objetivos mais direcionados pra seus valores do que pra os lucros.
Frequentemente, essas pessoas usam a tecnologia pra difundir seu trabalho sem atravessadores e falam diretamente com seu público, na sua linguagem. Definem suas próprias metas, decidem como trabalhar e criam modos de vida marcados por rotinas flexíveis, colaboração e experimentação.
É massa mesmo, mas nem tão glamouroso e bonitinho como pode parecer à primeira vista. Porque não dá pra viver do “amor pela arte”: é preciso, sim, pensar nos lucros, na mesma medida em que é preciso pagar contas. E é preciso falar com quem é de uma das áreas englobadas pelo conceito – ou quer entrar nelas – sobre os desafios que vêm no pacote.
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Muitas vezes, esses “novos” modos de trabalho (que não são tão novos assim, afinal, profissionais como músicos, médicos e consultores já trabalham de forma autônoma e flexível há muito tempo) têm andado de mãos dadas com o que se chama de precariedade. É aquela vida sem segurança, sabe? O trabalho que não traz previsibilidade e que muitas vezes não é valorizado.
Isso acontece em várias áreas (e aparentemente vai acontecer cada vez mais graças às medidas do atual governo), mas nesse mercado da criatividade é algo quase certo: você vai ter que aprender a lidar. Até porque, na cabeça de muita gente (inclusive a nossa, às vezes, né?), o trabalho criativo facilmente se mistura com conceitos de diversão e prazer, o que muitas vezes leva à ideia de que você não precisaria ser pago por isso.
Infelizmente, como disse o antropólogo argentino Néstor García Canclini, “a precariedade é a condição de trabalho predominante no campo da criação artística, em meio a esse capitalismo inflexível que nos retirou todas as garantias sociais”.
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E como lidar? Se alguém tiver respostas fáceis, por favor, me avisa. Acredito que muitas soluções dependem do mercado e de incentivos do governo e instituições (especialmente no sentido de diminuir as desigualdades de oportunidades), mas se você trabalha nessa área também pode fazer sua parte. Ainda tou começando a experimentar uma forma de trabalho mais flexível, mas em alguns anos de blog e freelas já deu pra confirmar algumas coisas na prática.
A primeira delas é que sempre vai ter gente querendo que você trabalhe de graça – ou algo muito, muito perto disso. Não importa se você estudou por anos pra se qualificar, se investiu em equipamentos, se dedicou horas pra deixar cada job caprichadinho.
Quando você menos espera, vem alguém dizendo que não tem verba pra pagar o que prometeu, que um sobrinho adolescente faz perfeitamente seu trabalho ou que pode oferecer uma permuta que não traz nenhuma vantagem pra você.
São situações que já viraram memes, deram origem a compilações como o ótimo Aguenta, Blogueiro e certamente soam muito familiares pra qualquer um que trabalhe na área criativa. São os velhos “vamos dar visibilidade para o seu trabalho”, “queremos ver o resultado pra decidir se pagamos por isso ou não”, “vai ser uma forma de aprendizado”, “essa experiência vai alavancar seu currículo”, “oferecemos uma parceria excelente pras duas partes, em que você beneficia nossa empresa em troca de um brinde” etc. etc. etc.
É péssimo receber um monte de propostas e se frustrar ao ver que a grande maioria é absurda, e às vezes é fácil se enganar achando que, quem sabe, aquele “favorzinho” vai gerar algum ganho no futuro. Mas se a troca não é justa pras duas partes, é cilada, Bino. Corre e leva os amigos contigo: a valorização do nosso trabalho tem que partir da gente, e a conscientização de mais e mais profissionais ajuda no longo processo de educar o mercado.
Pra quem trabalha por conta própria entram também vários outros fatores na equação; essa história de desenvolver diversas habilidades além do seu métier pra gerir a própria carreira sem acabar no vermelho. No fim das contas, cabe a cada um desenrolar os paranauês pra não se deixar engolir pela precariedade. O lado business da coisa pode não ser o seu forte, mas sem dar atenção a ele é muito difícil – a não ser que você tenha uma dose cavalar de sorte – ter um meio de vida sustentável.
Dependendo de onde for seu calcanhar de aquiles, pode valer a pena fazer cursos, ver uns tutoriais marotos online ou gritar por socorro mesmo. Pra ter segurança financeira, por exemplo, é preciso se organizar. Separar uma parte do que entra pra investir no futuro a curto, médio e longo prazo, seja contribuindo pra previdência social (o que parece ter se tornado uma roubada), previdência privada ou outras formas de investimento.
Se sua criatividade tá perdendo espaço por trás de burocracias e questões administrativas, uma dica é separar momentos do dia pra cada tipo de trabalho e, se preciso, pedir ajuda pra tornar a burocracia mais eficiente (pessoas especializadas, instituições como o Sebrae e ferramentas online podem ajudar, por exemplo).
Se as pessoas (e você mesmo, aposto) não respeitam seu horário de trabalho, que se mistura com o de descanso e lazer, pode ser bom criar um horário mais ou menos fixo, com exceções pré-definidas, e comunicar isso aos clientes.
E se você sente que tá envolvido em projetos demais ao mesmo tempo, um caminho é determinar um objetivo principal e se esforçar pra priorizar aquilo que o ajuda a chegar mais perto dele (e que compense financeiramente). Valorize seu tempo e aprenda a dizer não. Um mantra que tou tentando aplicar na minha vida ainda – devagar e sempre! ;)
Também trabalha com criatividade e tem problemas pra lidar com essas e outras questões? Acha que eu tou doida e discorda de tudo que eu disse? :P Me conta nos comentários!
Quer saber mais sobre esse assunto? Confira o Guia do Empreendedor Criativo do Sebrae, o relatório da Unesco e do PNUD sobre economia criativa, essa entrevista com Canclini, o Creative Enterprise Toolkit produzido pela Nesta em parceria com o British Council, essa entrevista no Valor Econômico e os vídeos de Rafa Cappai, da Espaçonave, que falou sobre o assunto no inspirador curso Decola! Lab.
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