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Uma volta ao mundo em 198 livros

Livros | 21/12/15 | Atualizado em 14/03/23 | 11 comentários

De que países são os livros na sua prateleira? Depois de conhecer o projeto Leia Mulheres, parei pra pensar não só no equilíbrio de gênero, mas também na distribuição geográfica dos autores que leio. Não me surpreendi ao constatar que 1/3 dos meus livros são brasileiros e 1/3 americanos ou ingleses. Pouca variedade, né? Um mundo de coisa fica de fora.

Tenho até um punhado de latino-americanos e algumas obras de países como República Tcheca, Noruega, Alemanha, Bósnia, Palestina, Somália, Portugal, Suécia, Japão, Marrocos e Moçambique, mas eles são minoria. Além disso, todos juntos representam menos de 10% dos países do mundo e poucos tratam realmente da realidade do país em questão.

Daí, foi inevitável lembrar de outro projeto: o 198 Livros, de Camila Navarro, do blog Viaggiando. Já conhecia a ideia há tempos, mas agora que criei a categoria Livros aqui no blog (reparou na adição ao menu aí em cima?) eu não podia deixá-la de fora. :)

Desde 2013, Camila tá redescobrindo o mundo através dos livros e percebendo como ele é menos homogêneo e ainda mais encantador do que pensava. Leia até o final pra conferir a entrevista com ela!

O projeto

Inspirada na iniciativa de Ann Morgan, que leu livros de 196 países durante um ano, Camila resolveu viajar pela literatura de 198 países: os 193 membros da ONU e seus dois estados-observadores (Palestina e Vaticano), além de Kosovo, Taiwan e Saara Ocidental. Pra manter a empreitada prazerosa, ela não estabeleceu um prazo pra concluí-la, e dois anos e cinco meses depois de começar ela está, enquanto escrevo esse post, na marca dos 105 livros. Invejável, né? ;)

Mas como organizar tudo isso? Camila seleciona os países por sorteio e compra os livros preferencialmente em versão digital. Ela lê em português, inglês e espanhol, o que torna mais fácil encontrar cópias dos livros buscados, e dá preferência a romances, porque esse é seu gênero literário preferido.

Ah, a prioridade é dos livros que representem de alguma forma os aspectos culturais e/ou históricos do país e que tenham sido escritos por autores locais. Depois de cada leitura, ela publica uma resenha da obra e atualiza as informações numa tabela no fim desta página.

“A leitura foi a grande responsável pela minha ânsia de conhecer o mundo”, explica Camila no post introdutório sobre o projeto. Como era de se esperar, a lista de desejos de viagem só faz crescer a cada livro que ela lê, passando a incluir países sobre os quais ela nem pensava antes. Ou que nem sabia que existiam, como é o caso de Comores, país formado por três pequenas ilhas no Oceano Índico que ela descobriu através da leitura deste livro.

Como tem muita coisa na minha estante que ainda não li, não vou começar essa viagem agora, mas já anotei na wishlist vários títulos que parecem incríveis e agora tenho como meta variar mais a origem dos livros que leio. Sempre que terminar alguma leitura viajante, venho aqui contar, belê?

Inspirações

A Year of Reading the World

Comentei ali em cima que a ideia de Camila foi adaptada do projeto A Year of Reading the World, da escritora inglesa Ann Morgan, que teve um prazo pra conclusão bem específico. Mas o mais surpreendente é que Ann conseguiu ler 196 livros em um ano trabalhando oito horas por dia na maior parte do tempo! E ainda por cima escrevendo sobre a experiência no blog.

Acho que a pressão pra terminar tudo antes do deadline deve ter acabado com boa parte da diversão, mas é no mínimo um incentivo pra gente que acha que não tem tempo pra ler, né? :P Aqui você encontra a lista de livros que ela leu com links pra resenhas sobre eles, além de outros títulos que foram recomendados pelos leitores.

Reading the World

Pesquisando sobre o assunto, Camila achou mais um projeto parecido, o Reading the World, que é ainda mais ambicioso: o cara por trás dele, John Brookes, tem como meta percorrer, através dos livros, 270 destinos! Sim, mais do que o número de países existentes, porque ele preferiu dividir países grandes, como Rússia e China, em regiões menores.

Além disso, a ordem de leitura é curiosa: ele vai de um país a outro como se estivesse realmente viajando: pesquisa formas de se locomover e escolhe os livros como quem faz o roteiro de uma viagem. Outro critério interessante é que as histórias se passem a partir de 1990, já que a ideia é ter uma ideia de com os países são atualmente, como se ele estivesse visitando-os.

O projeto começou em 2009 e até o momento John leu 183 livros de 161 países. Aqui no blog dele, que tá desatualizado, você encontra algumas resenhas, que também foram compiladas em dois livros.

Entrevista com Camila Navarro

De volta ao projeto de Camila \o/ Eu não podia deixar de fazer pra ela algumas perguntas que ficaram me martelando desde que conheci o 198 livros. Por isso, aproveitei a desculpa do post pra fazer uma pequena entrevista sobre a experiência. :) Tá aqui, ó:

Consegues recomendar cinco livros entre os que já foram lidos até agora?

Essa pergunta é sempre a mais difícil! Como escolher apenas cinco? Isso porque mal passei da metade do projeto! Para tornar minha tarefa mais fácil, vou escolher apenas livros que foram publicados no Brasil. Vamos lá!

Azerbaijão – Ali e Nino, Kurban Said (ainda não escrevi sobre ele, mas é um dos meus livros preferidos na vida!)
Camarões – Contornos do dia que vem vindo, Léonora Miano
Serra Leoa – Muito longe de casa, Ishmael Beah
Albânia – Abril Despedaçado, Ismail Kadaré
Moçambique – Terra Sonâmbula, Mia Couto

Percebi que quase todos contam histórias tristes, mas o que fazer se geralmente esses são os livros mais bonitos?

Quais foram os livros mais difíceis de conseguir? 

O mais difíceis são aqueles que ainda não consegui! Não descobri nenhum livro de Palau e Tuvalu até hoje. De Brunei nenhum cujo enredo diga respeito ao país. De Madagascar nenhum em uma língua que eu possa ler (português, inglês ou espanhol). Mas tem também aqueles que são complicados porque estão esgotados ou porque só estão disponíveis em livrarias muito específicas, como foi o caso das Ilhas Salomão (The Alternative, de John Saunana). Tive que comprar o livro numa universidade de Fiji!

Houve livros de leitura muito difícil? 

Desde que comecei o projeto fui obrigada a ler muito em inglês e com isso minha leitura na língua melhorou consideravelmente, mas ainda acontece de alguns livros darem mais trabalho. Penei com o da Austrália (Cloudstreet, de Tim Winton)!

O livro é cheio de regionalismos, há palavras próprias do inglês australiano e muitas outras escritas do jeito que se fala. Deu trabalho! O da Lituânia (Vilnius Poker, de Ričardas Gavelis) também foi um pouco difícil, não apenas por ser em inglês, mas também por ser um livro cheio de referências históricas e políticas.

Já conseguiu ir pra alguns países depois de ler os livros deles?

O #198livros está me causando um sério problema: minha bucket list aumentou consideravelmente! É meio difícil não ter vontade de conhecer um país depois de aprender um pouco sobre sua história e cultura. Todas as minhas viagens internacionais desde então foram motivadas por leituras recentes.

Foi por causa dos livros da Bósnia e da Bulgária que eu resolvi ir para os Balcãs. Depois de conhecer a história do Genocídio Armênio fui para Geórgia e Armênia. Meu desejo de ir a Cuba também foi intensificado depois de ler o livro de lá (fui a Cuba mês passado). Acho que nenhuma viagem minha será a mesma depois dessa experiência.

O que mais te chamou atenção em relação à literatura mundo afora?

Me chamou atenção a riqueza da literatura mundo afora! Há tantos livros maravilhosos praticamente desconhecidos por falta de interesse ou incentivo, não sei. No Brasil temos poucas traduções de países com menos tradição literária e por isso estou sendo obrigada a ler a maioria dos livros em inglês.

Percebo também o quanto é difícil para autores africanos ou asiáticos, por exemplo, serem conhecidos fora de seus países. Muitas vezes os livros são escritos por expatriados, pessoas que deixaram seu país de origem para viver na Europa ou nos Estados Unidos. Para essas pessoas o mercado editorial parece ser mais acessível.

Os livros desses escritores costumam ser uma homenagem ao seu país de origem, uma forma de disseminar a cultura e a história de seu país para o resto do mundo. Mas, veja bem, isso é minha opinião como leiga, fruto de uma percepção bem rasa através dos livros que estou lendo. Não sou nenhuma especialista em literatura, mas espero não estar falando bobeira.

Algo mudou na tua relação com os livros desde o início do projeto?

Minha relação com os livros mudou porque meu olhar mudou. Pra começar, o hábito de fazer uma espécie de resenha sobre os livros no blog fez com que minha leitura ficasse muito mais atenta. Além disso, passei a prestar mais atenção nos detalhes que evidenciam a cultura do local retratado. Às vezes estou lendo um livro fora do projeto e me pego fazendo marcações que seriam interessantes para o #198livros! Minha leitura ficou menos descompromissada desde então. Sem contar que meu interesse por autores antes desconhecidos aumentou muito!

E na tua relação com viagens?

É difícil dizer… Na verdade o que está mudando é minha relação com o mundo. Conhecer a história de tantos países mexe comigo de uma forma que não consigo explicar. Sabe quando a gente volta de uma viagem meio que se sentindo embaixador daquele lugar?

Quando a gente começa a prestar atenção nas notícias do lugar, se interessa por tudo que diz respeito a ele? Pois isso tem acontecido comigo a cada livro que leio! De repente o mundo todo me interessa! Descobri que todo lugar do mundo tem beleza, que todo povo tem suas dores e alegrias e que esse mundo é muito mais diverso do que eu imaginava.

Difícil ler o que Camila diz e não morrer de vontade de ler um livro (ou muito mais) de cada canto do mundo, né? Você encararia o desafio? Já deu uma pensada na distribuição geográfica dos autores na sua estante? Conta aí!

Atualização: depois de publicar o post, a amiga Manuela me mostrou outro projeto parecido: O que vc está lendo, de Gabriela Antunes. Ela é doutora em literatura e, desde que percebeu que seus conhecimentos literários estavam vergonhosamente restritos a uma pequena parte do globo, também tá lendo e resenhando um livro de cada país do mundo. Mais uma fonte de inspiração e dicas de leitura! ;) Quem mais conhece outras iniciativas do tipo?

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11 Comentários

  1. Já falei, mas repito: adorei, Luisa! O post ficou lindo! Obrigada pelo convite! =)

  2. Quem já está compartilhando o link deste post empolgadíssima com esta ideia?
    Pois é! Eu!
    Eu já havia me pegado pensando nisso, quando li Budapeste (do Chico Buarque) e fiquei doida para ir para lá!
    Ler os autores locais deve ser demais. Acho que vou incluir este projeto no meu 2016.

    Beijos,

    • Que massa, Fernanda! Inclui mesmo, com certeza vai ser incrível. Também adoro a ideia ^^ Um abraço!

  3. Olá Luisa, sou Gabriela Antunes, a autora do blog https://oquevcestalendo.wordpress.com/ Estou escrevendo para agradecer pela referência ao meu blog. De quebra, acabei descobrindo o projeto da Camila, que ainda não conhecia. Portanto, aqui vai o meu muito obrigada e boas leituras!

    • Oi, Gabriela! Que massa que você conheceu o projeto através do Janelas. :) Ambas iniciativas são inspiradoras! Boas leituras pra você também!

  4. Adelino Montenegro

    Massa Luisa. Gostei demais do post e da ideia de compartilhar a experiência de leitura nesses vários blogs. Eu já visitei 47 países e meio por acaso decidi ler livros de autores locais, como África do Sul, Camboja e Nova Zelândia. Na Nova Zelandia comprei o ‘Man alone’ de John Mulgan que escolhi aleatoriamente numa feira de livros usados uma biblioteca pública e depois me disseram que era um clássico!

    Mas algo me chamou a atenção. Quase todos os blogs, incluindo a lista de Camila Navarro, são de mulheres! Curioso. Acho que vou criar um :)

    • Oi, Adelino! Pois é, nos exemplos do post são duas mulheres e um homem :) Que legal que você já vem fazendo isso informalmente, seria mesmo muito legal criar um blog pra contar sobre esses países e essas leituras ^^ Se o fizer, me avisa! Um abraço

    • Adelino, eu fico super intrigada por nenhum homem ter ainda embarcado no #198livros. Sinta-se convidado! =)

  5. Eu simplesmente amei este artigo, muito bom este projeto de ler livros de autores de diferentes países. Estou sempre em busca de novos títulos e referências para uma nova leitura. Infelizmente, eu não sou fã de livros digitais, prefiro o livro em papel com aquele cheirinho de novo que enfeita a minha prateleira depois que termino. Um livro que eu adoro e que me sentir lá no Japão em plena segunda guerra mundial foi o “Memórias de uma gueixa” que eu super recomendo (o autor é americano). Outro livro que mostra um pouco sobre a cultura americana, é o “The Help”, Histórias Cruzadas, um livro que me fez chorar no final rs (ambos os livros são de autores americanos, mas que levaram para o Japão e Estados Unidos)

    • Muito legal mesmo a ideia do projeto, né? :) Também prefiro o livro físico, mas em certos casos acho o Kindle mais prático e tou tentando desapegar, haha. Até porque viajando fica complicado levar um monte de livros… Gostei muito do filme de The Help, imagino que o livro seja ótimo mesmo! Valeu pelo comentário :D

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