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Histórias de Alice: casal viaja de kombi pelo Brasil

Viajantes | 13/09/12 | Atualizado em 01/07/20 | Deixe um comentário

Quando contei a história de Arthur, falei que apesar de encontrar muita gente querendo explorar turistas e até crianças que lhe apedrejavam (!), o que o marcou durante sua volta ao mundo de bike foi a bondade das pessoas. E também foi isso que chamou a atenção do casal de fotógrafos Inês Calixto, 48 anos (paranaense), e Franco Hoff, 38 (gaúcho), criadores do projeto Histórias de Alice.

Em maio de 2010, eles saíram de São Paulo pra viver viajando pelo interior do Brasil, a bordo de uma Kombi branca com adesivos laranjas, transformada em motorhome e apelidada de Alice. “As pessoas simples têm uma generosidade inacreditável. Isso foi muito marcante em todas as comunidades que visitamos”, me disse Inês, um ano atrás. O casal passou dois anos a bordo da Alice e hoje está de volta a São Paulo.

O projeto nasceu da vontade de investigar o modo de vida de pessoas simples, de comunidades do interior do Brasil, e documentar isso em textos, fotos e vídeos. “Gostamos de deixar algo em contrapartida, já que essas pessoas dividem tanto conosco”, diz Inês. Por isso, o casal ofereceu oficinas de leitura e fotografia, contação de histórias – com a participação de uma marionete chamada Chico, comprada aqui em Pernambuco – e sessões de cinema gratuitas. 

Ao todo, eles percorreram 60 mil quilômetros, visitando 21 estados e cerca de 400 cidades. Tanta estrada, conta Inês, fez com que eles se conhecessem melhor. Outra coisa que mudou foi a visão que têm do País: “A gente não tinha a dimensão do quanto a pobreza é extensa e intensa no Brasil. Vimos muita beleza, sabedoria e luta. Encontramos várias pessoas com histórias similares, que perderam a terra e os sonhos”, relata. 

E eles não pretendem parar por aí. “Nos descobrimos nessa vida de viajantes”. 
 Mas antes de cair na estrada novamente, tão trabalhando em três livros: o diário de viagem de Alice, Um Brasil de causos, contos e encantos e um livro de fotografia, Pelo retrovisor. O projeto foi aprovado pela Lei Rouanet e eles tão captando recursos pra financiá-lo.

Confira um trecho da entrevista que fiz com Inês:

De onde surgiu a ideia de oferecer oficinas?

O objetivo principal era a viagem, mas pensamos que pra fotografar, coletar cultura, pegar histórias, tínhamos que deixar algumas coisas pra as pessoas em contrapartida. Juntamos a ideia da viagem com a ideia da inclusão cultural. Achamos que seria uma forma legal de devolver isso para a comunidade. 

O que mudou em vocês?

Aprendemos a viver no limite. Nos impusemos um tipo de vida muito dura, sem ar condicionado, sem geladeira, com muito pouca grana comparado com o que a gente vivia em São Paulo. Vivíamos no improviso. Com insegurança da estrada, de onde dormir, onde ficar, às vezes falta de banheiro, falta de chuveiro. Não podíamos deixar a kombi em qualquer lugar, porque toda a pesquisa tá dentro, documentos, etc. Foi um desafio bem grande. A grande sacada é que a cada dia você conhece uma coisa diferente e se conhece também, nos seus limites. Para nossa relação, foi muito bacana. 24h por dia juntos e em situação limite. Fomos vivendo uma vida assim meio maluca e por incrível que pareça isso deu certo. 

O que viram de mais marcante?

Sempre encontramos muita bondade. As pessoas simples, embora não tenham estudo, têm uma generosidade inacreditável, surpreendente, e ausência de preconceito. Elas são abertas para o pouco que você dá para elas e fazem uma grande festa. Isso foi muito marcante em todas as comunidades. Procuramos os lugares menores, com menor infra-estrutura. Também vimos o quanto a pobreza é extensa e intensa no Brasil. Essas pessoas têm histórias muito similares de quem perdeu a terra, foram arrancadas dos seus sonhos. São pessoas que trabalham muito e não conseguem sair  de onde estão, então isso dói. Também doeu ver o quanto é tudo desmatado no sul do Pará, por exemplo. Quando chega uma mineradora em uma comunidade eles não são consultados, não têm o que fazer. Sofrem a consequência de um desenvolvimento que não nos inclui. Você vê a beleza, a sabedoria, a luta. Isso é o que mais causa impacto. Por mais que o Brasil tenha melhorado, mas para o padrão de vida que a gente tinha isso choca demais. Antes de viajar, a gente não tinha a dimensão do quanto isso era extenso. Você vai pro shopping, pro cinema, pra praia, sua casa é boa, mas de repente a gente passou a almoçar com pessoas que hoje têm carne, mas que em alguns dias não tiveram. Vêm de uma história de falta.

Como pagaram pela viagem?

Das nossas demissões não conseguimos juntar uma quantia muito grande. Ajustamos o carro e fizemos uma poupança para pagar a viagem. Assim, saímos com dinheiro suficiente para seis meses de viagem. Quando estávamos saindo de SP, duas editoras nos chamaram e compraram textos mensais do diário de bordo. Foram elas que praticamente sustentaram o projeto. Era um volume de dinheiro muito pequeno, mas pagava combustível e alimentação.

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Contei um pouco da história de Inês e Franco pela primeira vez no caderno de Turismo do Jornal do Commercio, em setembro de 2011. Todas as fotos que ilustram o post são creditadas ao projeto Histórias de Alice, de autoria de Inês Calixto e Franco Hoff.

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