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Voluntariado com agrofloresta: como fazer e relatos de quem fez

Viajantes | 27/03/22 | Atualizado em 02/04/24 | 2 comentários

Que tal fazer voluntariado com agrofloresta ou permacultura? Esse tipo de experiência tem muito a ensinar; bem mais do que o trabalho com a terra propriamente dito. E existem vários projetos de agroecologia e similares no Brasil e no mundo que precisam de voluntários pra seguir funcionando.

Neste artigo, vou explicar como encontrar uma vaga num projeto agroflorestal trocando trabalho por acomodação. Em seguida, você confere uma entrevista com José Franceschi, fotógrafo e criador do canal do Youtube Vida Entre Mundos, que já teve três vivências de voluntariado com agrofloresta durante seu mochilão pelo Brasil.

Mas antes de mais nada, vamos falar brevemente sobre os conceitos de agrofloresta e permacultura? Eles não são a mesma coisa, mas ambos promovem a regeneração do meio ambiente e a valorização do trabalho rural, respeitando os ciclos da natureza e lembrando que nós humanos fazemos parte dela.

O que é agrofloresta?

Um Sistema Agroflorestal, também chamado de SAF, é uma forma de uso da terra inspirada na dinâmica dos ecossistemas naturais. Ou seja: ele imita o que a natureza faz normalmente. Pra isso, são resgatadas práticas ancestrais de cultivo, mas também tem muita ciência envolvida.

Numa agrofloresta, espécies florestais perenes convivem com plantações agrícolas e possivelmente com a criação de animais, seja de forma simultânea ou sequenciada. Esse modo de produção tem, assim, um paradigma produtivo diferente da monocultura que predomina atualmente no Brasil e no mundo.

E isso traz vários benefícios econômicos e ecológicos. Através da agroecologia é possível, por exemplo, recuperar a fertilidade do solo, reduzir erosão, conservar rios e nascentes, aumentar a diversidade de espécies, promover o controle natural de pragas, diversificar as fontes de renda dos agricultores, entre outras vantagens. Em um voluntariado com agrofloresta, dá pra entender alguns desses benefícios na prática.

O que é permacultura?

Outro conceito que se aproxima da agroecologia é o de permacultura, que significa “cultura permanente”, no sentido de sustentabilidade. Esse termo foi criado nos anos 70 pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren.

A permacultura engloba áreas como design biofílico, engenharia ecológica, arquitetura bioclimática e arquitetura sustentável, unindo conhecimentos tradicionais e científicos.

Seus principais princípios são: cuidar da terra para que todos os sistemas de vida continuem e se multipliquem; cuidar das pessoas, permitindo que todas acessem os recursos necessários para sua existência; e compartilhar excedentes, inclusive de conhecimentos.

Como encontrar um voluntariado com agrofloresta ou permacultura?

Existem várias formas de voluntariar num projeto agroflorestal ou de permacultura. Você pode, é claro, buscar uma organização específica e entrar em contato diretamente com ela pra entender o que buscam de um voluntário. Mas uma ótima forma de encontrar vagas em diferentes projetos ecológicos no Brasil e no mundo é através da Worldpackers.

A Worldpackers é uma plataforma brasileira criada em 2014 pra promover intercâmbios de trabalho por hospedagem, também chamados de “work exchange” ou simplesmente voluntariado.

Nesse tipo de experiência o viajante trabalha algumas horas por semana e, em troca, ganha acomodação gratuita. Muitas vezes estão incluídos também outros benefícios, como refeições, passeios, uso de bicicleta, aulas de yoga e surf etc.

No site da Worldpackers você encontra voluntariados em diversos tipos de estabelecimentos, como hostels, ONGs, pousadas, campings e centros holísticos. Mas uma das opções mais interessantes são os voluntariados com agrofloresta e outras iniciativas ecológicas, com destaque pra os projetos de permacultura.

As funções exercidas pelo voluntário também variam muito: você pode fazer reformas, reparos e decoração, trabalhos sociais, receber hóspedes, limpar o local, cozinhar, produzir conteúdo pra divulgação do lugar…

Nos voluntariados com permacultura e agroecologia, boa parte das tarefas são ligadas a cuidados com a natureza, mas os projetos podem ter outras demandas como as que citei acima. Pra encontrar vagas nas áreas que você procura, é só você usar os filtros que ficam do lado esquerdo do site.

Em cada vaga estão descritas as funções do voluntário e os benefícios oferecidos. Você também pode tirar dúvidas conversando com voluntários que já passaram por lá (que ficam listados na plataforma) e com o próprio anfitrião.

Dá pra pesquisar as vagas disponíveis no site gratuitamente, mas caso queira se inscrever pra uma delas é preciso fazer uma assinatura anual. O valor do plano anual é de 49 dólares, mas se você clicar aqui ou inserir o cupom de JANELASABERTAS na página de pagamento você ganha 10 dólares de desconto, pagando só 39 USD. Pode acreditar: o investimento se paga num instante!

Pra saber mais sobre como funciona a Worldpackers, confira o guia completo que eu preparei sobre troca de trabalho por hospedagem.

Voluntariado com agrofloresta: as experiências de José

Eu já fiz alguns voluntariados incríveis pela Worldpackers, mas nenhum deles foi ligado a agroecologia (ainda!). Por isso, pra escrever este artigo eu conversei com meu amigo José Franceschi, que já teve três experiências desse tipo.

José, mais conhecido como Zé, trabalhava como advogado, mas entrou em conflito com a profissão e quis viver algo novo.

Inspirado em mochileiros que acompanhava pela internet e que conheceu pessoalmente, ele resolveu partir numa viagem pela América do Sul sem data de volta. Zé já está há mais de um ano na estrada, quase sempre fazendo voluntariados. “Eu via esse estilo de vida como algo que fazia mais sentido pra mim, uma vida com mais liberdade”, explica.

Antes de sair pra o mochilão, ele comprou uma câmera pra registrar a viagem, e acabou se encontrando na fotografia. Hoje, faz alguns trabalhos como fotógrafo e videomaker, que rendem uma grana pra que ele se mantenha na estrada.

“Quando comprei a câmera eu nem imaginava que poderia virar fotógrafo, mas hoje em dia é uma profissão com que me identifico muito, porque ela me traz uma liberdade muito grande, assim como viajar”, conta Zé.

A seguir, confira a entrevista que fiz com ele sobre os voluntariados com permacultura e agroflorestal que ele fez pela Worldpackers.

voluntariado com agrofloresta

Janelas Abertas (JA): Por que você decidiu viajar fazendo voluntariado?

José Franceschi (Zé): Me inspirei em experiências que acompanhava no Youtube e no Instagram, de gente que viajava assim e compartilhava seus relatos. Eu via que essa era uma possibilidade de imersão muito maior nos lugares; sentia que as pessoas que viajavam fazendo voluntariado se conectavam mais com a viagem. Sempre me joguei de cabeça nos voluntariados, e prefiro os que são mais imersivos mesmo.

JA: Por que o interesse em projetos de agrofloresta e permacultura?

Zé: Esses voluntariados sempre me fizeram brilhar os olhos pela possibilidade de me aprofundar nesses temas. Desde muito novo sempre tive afinidade com questões ambientais.  Sentia essa conexão, e conforme fui tomando mais conhecimento de agrofloresta, permacultura e tal, vi que esses sistemas fazem muito mais sentido pra um mundo equilibrado.

Antes de sair pra viajar eu nunca tinha mexido de fato com agrofloresta e permacultura, então foi um caminho de me descobrir também. Eu já sentia que gostava, mas esses voluntariados me abriram os olhos muito mais pra essas áreas.

JA: Por que você buscou os voluntariados na Worldpackers?

Zé: Porque vi muitas boas indicações de pessoas que falavam de experiências legais e profundas, e pelo fato da plataforma ter um filtro que facilita a busca por voluntariados em projetos ecológicos e sociais.

Já voluntariei em hostel também, na recepção, mas essas vagas de voluntariado com agrofloresta e permacultura são as que me interessam mais. As experiências que eu tive com a plataforma sempre foram muito boas!

voluntariado com agrofloresta e permacultura

JA: Como foram tuas experiências de voluntariado com agrofloresta e permacultura? Podes falar dos aprendizados e desafios de cada uma?

1. Comunidade Aldeia, em Itacaré (Bahia)

Zé: Essa comunidade onde fiz voluntariado com agrofloresta fica na margem do Rio de Contas, em Itacaré, mas bem afastada do agito da cidade e imersa na natureza. Foi meu primeiro contato verdadeiro com agrofloresta e foi bem impactante, porque eu não entendia nada e fui aprendendo aos poucos.

Trabalhávamos das 8h às 12h durante a semana e folgávamos no final de semana. O voluntariado incluía as três refeições e a estadia em alojamento coletivo, mas na época estava num relacionamento e acabamos ficando num quarto privativo.

Passei 20 dias lá e não gastei um Real, foi muito louca a experiência de não precisar mexer com dinheiro. Tinha também uma cachoeira lá na propriedade aonde a gente podia ir, e rolavam várias atividades legais no tempo livre.

Esse voluntariado foi muito bom porque foi meu primeiro contato de aprendizado prático sobre o assunto. Adorei mexer com a terra e ver que eu gostava disso. Também conheci pessoas incríveis lá!

Mas a convivência teve alguns desafios e algumas regras da comunidade podem causar problemas. Um exemplo é a alimentação bem restrita; não podíamos comer açúcar nem farinha, e absolutamente tudo tinha que ser feito pra o coletivo. Eu nem tive tanto problema com as restrições alimentares quanto imaginava que teria, mas pra algumas pessoas pode ser mais difícil.

voluntariado na bahia

2. Refúgio Barro Branco, em Lençóis (Bahia)

Zé: Fiquei dois meses lá no Refúgio Barro Branco, na Chapada Diamantina. Foi um período bem importante pra mim pessoalmente e também pra me desenvolver; foi quando eu comecei a ter um contato mais aprofundado com agrofloresta.

O lugar fica na zona rural de Lençóis, então era totalmente desconectado do ritmo da cidade e não tinha internet; só caminhando pra um ponto mais distante.

Junto com outro voluntário, eu cuidava do sistema agroflorestal que tinha lá. As horas de trabalho eram bem flexíveis, mas normalmente não passava de quatro horas por dia e tínhamos duas folgas por semana. Foi uma experiência de muito aprendizado.

Tínhamos como benefícios a estadia em quarto compartilhado e a participação em eventos de yoga e tal. Nesse voluntariado ecológico não tínhamos refeições incluídas, mas a gente fazia uma feira bem barata e cozinhava juntos.

Pra mim, as melhores partes desse voluntariado foram as pessoas, por quem desenvolvi muito carinho, e o contato com a terra. O maior desafio foi desconectar da internet por tanto tempo, mas também foi ótimo. No começo eu sentia falta do celular, mas depois vi como era incrível estar sem ele.

Quer saber mais sobre as vivências de Zé nesse voluntariado? Confere o vídeo abaixo, do canal dele no Youtube:

3. Comunidade Campina, no Vale do Capão (Bahia)

Zé: Fiquei 15 dias nessa comunidade alternativa de permacultura. Minhas tarefas variavam entre ajudar na agrofloresta e na bioconstrução e cozinhar. O trabalho era de manhã; fazíamos mutirões coletivos de umas quatro horas por dia. Depois estávamos livres, e nos finais de semana também. Foi bem tranquilo!

Nesse caso a gente pagava uma taxa de R$ 15 por dia pra cobrir todas as refeições, que eram coletivas, e também tínhamos direito a estadia num alojamento coletivo.

Além das pessoas que conheci (como sempre!), adorei ter experiência com bioconstrução e gostei de como a vivência em coletivo lá é levada a outro nível. Tínhamos reuniões semanais, compartilhávamos como estávamos nos sentindo, fazíamos mutirões pra as tarefas…

O desafio foi lidar com a permacultura no meio do mato mesmo: era tudo muito simples, sem geladeira, o fogão era à lenha (uma das nossas tarefas era pegar lenha). Era uma vida bem ecológica, mas isso também traz alguns desafios.

JA: Qual a importância da agrofloresta pra o mundo em que você acredita?

Zé: No mundo que acredito ser possível pra que a raça humana continue existindo e os outros animais também, a agroecologia é muito importante.

Afinal, a agrofloresta vem como alternativa à agricultura tradicional, que é muito agressiva com o meio ambiente. Ela tem vários princípios de respeito ao solo, à biodiversidade… Não é só uma prática de agricultura voltada apenas pra o econômico, mas também pra o ambiental. É uma técnica ancestral, que hoje em dia é usada de forma moderna pra restaurar a natureza.

Ela tem o potencial de substituir a agricultura tradicional e respeitar o meio ambiente ao mesmo tempo. Sem desmatar, promover queimadas, acabar com a biodiversidade… Mostrando que é possível cultivar tanto a floresta quanto alimentos, que você consegue ter um retorno alimentar e também regeneração de biomas.

E esse é o mundo que eu acredito que precisamos construir, entendendo a natureza como parte de um todo que também somos, e não algo que podemos explorar insistentemente, porque dessa forma esses recursos vão acabar.

Da mesma forma, a bioconstrução é uma forma de construir que representa uma alternativa à arquitetura tradicional, que cria modelos de cidades que acredito que não têm dado certo.

voluntariado com agrofloresta

JA: De forma geral, quais teus principais aprendizados desses voluntariados?

Zé: Um dos meus principais aprendizados foi sobre como as pessoas podem ser incríveis e nos ensinar coisas não só verbalmente ou por escrito, mas também por atitudes.

E, é claro, teve a agroecologia em si: eu não sabia nada sobre mexer com a terra, e hoje tenho uma noção de agrofloresta e entendo um pouco de bioconstrução. Também aprendi melhor a lidar com o coletivo e a cozinhar melhor, já que acabei cozinhando bastante em todos os voluntariados.

O Zé que começou a fazer mochilão um ano atrás não é o mesmo Zé que está aqui hoje, e isso é por causa dos voluntariados que fiz. Acredito que se eu tivesse só feito um mochilão “normal”, ou viajado de forma mais tradicional, eu não teria me aprofundado tanto em mim mesmo, nem nessas áreas que me interessam muito, de permacultura e agrofloresta.

Isso também me abriu o caminho pra conhecer pessoas com quem me conecto muito, que têm uma visão de mundo parecida com a minha.

Pra mim, essa escolha nem é só uma questão de economizar com estadia, mas de ter vontade de ter essa vivência. Quando comecei a viajar eu não tinha renda, mas hoje tenho. Ainda assim, continuo querendo fazer voluntariados com agrofloresta, permacultura e outras áreas, porque curto muito esse tipo de experiência.

E aí, curtiu a ideia de fazer um voluntariado com agrofloresta ou permacultura? Acompanhe o trabalho de Zé no YouTube e no Instagram, clicando nos links ou procurando por “Vida entre mundos”. Obrigada pela entrevista, Zé!

As fotos que ilustram o artigo são de autoria de José Leôncio e foram cedidas para publicação no Janelas Abertas; todos os direitos pertencem a ele.

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2 Comentários

  1. rogério moreira

    bom dia. comecei a fazer o “MOCHILÃO” há 04 anos. Tenho uma chácara com 10.000m², casa grande e mobiliada, pomar, nascente e lagoa. Preciso de uma ajuda e orientação pra que eu possa inserir minha chácara nesse movimento entre mundos, ou seja, quero inserir pessoas que realmente abrace essa causa da permacultura versus Mochilão.. Ela está vazia no momento. Fica em Serra azul- SP

    • Oi, Rogério! Fala com o pessoal da Worldpackers pra você se tornar anfitrião da plataforma! :)

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