Que a viagem nunca termine
Cheguei em casa. O apartamento não é o que deixei antes de ir passar um ano fora. O quarto novo tava cheio de caixas com coisas que já não cabem nas estantes – e das quais eu já não sei se preciso. Antes de ir pra Sevilha, em 2009, eu escrevi no blog antigo sobre todas as coisas que ia deixar no Recife, desde minha caixa com cartas antigas aos meus livros. Hoje eu percebo o óbvio: as coisas que realmente fazem falta cabem num espaço muito pequeno. E desapegar de uma boa parte das tralhas que acumulei durante a vida foi mais fácil do que eu pensava.
Em setembro de 2012, minhas amigas me levaram ao aeroporto pela quarta vez. Em setembro de 2013, tou de volta mais uma vez. Por um lado, tudo é muito familiar. A sensação de que muita coisa mudou e que ao mesmo tempo tudo permanece igual. Me jogar nas comidas, nas caipiroscas, nos programinhas recifenses. Tentar resumir mil experiências e sentimentos em uma frase pra responder às perguntas de “como foi a viagem?”. Saber mais sobre o ano de todo mundo que ficou. Por outro lado, dessa vez é diferente.
Os últimos 12 meses superaram minhas expectativas em todos os sentidos. Os lugares onde morei, as pessoas com quem vivi, aqueles que cruzaram meu caminho, as oportunidades que aproveitei, os conhecimentos formais e informais que adquiri – e o que fiquei com vontade de aprender. As cidades que visitei (muitas que não esperava conhecer agora), as dificuldades que enfrentei.
E mais do que tudo, a inspiração. A consciência do quão pouco eu sei sobre meu mundo e sobre outros tantos mundos. A satisfação que dá descortinar um pouco do desconhecido. As pessoas incríveis e apaixonadas que encontrei. A alegria de compartilhar experiências, histórias e medos com gente que teoricamente não tem muito a ver com você (mas “só não falamos a mesma língua”, né?). A constatação de que há muito mais caminhos disponíveis do que aqueles aos quais somos apresentados em nossas vidas rotineiras.
E também o conforto das palavras e dos abraços de quem me fez quem eu sou e me ajuda a chegar aonde vou. Amigos que não vejo há anos e de alguma forma continuam presentes no dia a dia, a família e os momentos inesquecíveis (re)descobrindo juntos um solo estrangeiro, as companheiras de sempre que tão sempre de braços abertos na volta e as amizades da estrada que eu sei que ficarão guardadas num lugar muito especial na memória e no coração (além de dar ainda mais vontade de atravessar o charco outra vez pra rever todo mundo).
A vida também é feita de momentos rotineiros, tarefas tediosas e responsabilidades incômodas. De obrigações, preocupações e encontros desagradáveis. Mas é importante lembrar que existe mais do que isso: é possível deslumbrar-se, ser acolhido e recomeçar em qualquer lugar. Relativizar fronteiras, repensar amarras que nos prendem a algum lugar ou alguma coisa. Sair do eixo, perder-se, questionar-se.
Uma viagem, dessas que nunca terminam, não é pegar um avião ou ônibus e chegar em outro lugar. Uma viagem, dessas que mexem com a gente, é um estado de consciência. É um exercício de reconstrução, de memórias, de experiências. Não acredito que qualquer viagem é uma ida sem volta, como já li por aí. Já fui e voltei, e já fui e não voltei. Acredito, sim, que o deslocamento físico pode ser o pretexto para mexer com nossas referências, relativizar conceitos e descortinar novas possibilidades. Conhecer lugares novos é um passatempo maravilhoso, é claro. Mas o que realmente vicia, o que realmente faz com que a gente volte pra casa um pouco diferente, é o exercício de deixar-se transformar.
E que essa viagem nunca termine. Seja onde for.
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Sempre entendo perfeitamente quando falas de transformação, viagens (internas e externas) e não me canso de admirar quanta sabedoria em poucos anos de vida. Adorei! RFK