Acessibilidade no turismo: blogueira incentiva cadeirantes a viajar
“Meu objetivo com o blog é motivar as pessoas com deficiência a saírem de casa. Pra mim, isso pode significar ir pra Europa, com todo o planejamento que uma viagem assim envolve, ou ali na esquina comprar um jornal, já que isso representa uma vitória pra muita gente”. Foi assim que Laura Martins, autora do blog Cadeira Voadora, começou nossa conversa: lembrando que a acessibilidade no turismo tá relacionada à acessibilidade no dia a dia e que cada pessoa tem necessidades diferentes.
Escrevi pra Laura porque fiquei encantada pelo blog dela, dedicado a compartilhar suas experiências de viagem pelo Brasil e pelo mundo com foco na acessibilidade. Um trabalho que me parece importantíssimo, não só pra ajudar outras pessoas com deficiência que querem viajar, mas também pra conscientizar o resto da população – como eu e você que me lê – sobre o assunto.
Laura é mineira e tem uma deficiência física causada por uma inflamação na medula chamada mielite transversa, contraída quando ela tinha cinco anos. E desde criança, aprendeu a superar os obstáculos que o mundo oferece pra quem tem alguma dificuldade de locomoção.
A blogueira é apaixonada não só por viajar e escrever – formada em Letras, trabalhou a vida toda com redação e revisão de textos -, mas também por inspirar outras pessoas a driblar as dificuldades e descobrir o mundo. “Quero atuar como uma borboleta que pousa na vida da pessoa e desperta nela a vontade de sair”, conta. Atualmente, Laura mora em Belo Horizonte e trabalha com o blog, além de dar palestras e workshops sobre inclusão e diversidade.
Infelizmente, ela e muitas outras pessoas não podem conhecer todos os lugares que gostariam. O Mont Saint Michel, na França, é um exemplo de dificuldades que a blogueira considera difíceis de transpor, devido às características geográficas do lugar. Ainda assim, Laura já superou vários desafios, como passar um mês fazendo intercâmbio na Inglaterra sozinha.
Lá no Cadeira Voadora, ela reflete sobre acessibilidade no turismo e dá dicas valiosas sobre aspectos práticos das suas viagens, como conselhos para planejar uma viagem acessível, como se virar durante voos de avião e dicas para escolher um hotel acessível. Quer saber mais? Dá uma olhada na entrevista que fiz com ela.
Acessibilidade no turismo: as experiências de Laura
Você sempre viajou muito?
Viajo com frequência desde que pude reservar algum dinheiro pra viajar. Antes, meu dinheiro estava muito comprometido com compra de equipamentos pra minha locomoção. Hoje, viajo com a frequência que minha saúde permite, porque tenho que fazer atividade física constante e alguns outros tratamentos pra administrar dor, espasmos, evitar infecções etc., coisas bastante relacionadas à vida dos cadeirantes.
Como foi fazer intercâmbio?
Fiz um intercâmbio em Newcastle upon Tyne há dois ou três anos. A cidade é pequena, mas bem desenvolvida e progressista. Conheço outros cadeirantes que fizeram intercâmbio e ficaram com outra pessoa no início, mas eu fui sozinha e assim fiquei durante os 30 dias.
Escolhi a cidade porque pesquisei e sabia que ela tinha alguma acessibilidade e que o povo de lá é muito acolhedor. Enfrentei desafios imensos por estar só num país estrangeiro sem dominar a língua e sem acessibilidade total, mas fui muito feliz na experiência. Até mesmo porque incentivei outros cadeirantes a fazer intercâmbio, e isso é muito gratificante.
Viajou sozinha outras vezes? Como foi?
Eu gosto de viajar e pra mim tanto faz se é solo ou acompanhada, se é com família, namorado ou amigos. Acho que cada forma de viagem oferece vivências muito ricas e diferentes umas das outras.
No entanto, pra pessoas com deficiência está ficando cada vez mais desafiador viajar só, porque apesar de a acessibilidade estar melhorando nas cidades, no transporte não é o caso.
Existe muita burocracia, muitos desafios. É difícil usar o toalete numa aeronave e os voos estão atrasando sempre. Isso é complicado, porque quem tem uma deficiência geralmente precisa ter um planejamento muito preciso. É preciso ir ao toalete com frequência pra evitar infecções, por exemplo.
Ultimamente eu tenho viajado pouco sozinha, e sempre pra cidades onde eu sei que posso contar com a acessibilidade, senão fica bastante complicado.
Planeja suas viagens por conta própria ou com agências de turismo?
Durante quase toda a minha vida, fiz reservas e planejamento de viagem por conta própria. De um tempo pra cá, tenho preferido reservar meu tempo pra outras coisas. Gosto do planejamento, mas isso toma muito tempo, então hoje uso os serviços de uma agência.
O que eu sempre falo, no entanto, é que não podemos deixar tudo por conta de outra pessoa como se colocássemos um carro no mecânico e depois fôssemos buscar. O turismo pra pessoas com deficiência está começando a crescer agora e são muitas especificidades, até porque hotéis e companhias aéreas muitas vezes não cumprem as leis.
É preciso que a gente dê assistência aos agentes de turismo, porque senão eles podem cometer alguma falha e não terá sido por culpa deles, porque são muitos detalhes pra dominar. Até a gente que tem alguma deficiência se esquece de perguntar algumas coisas.
Tem coisas que deveriam ser óbvias, mas não são. Quando falamos em acessibilidade, existem normas da ABNT e existem leis, mas nem por isso eu posso acreditar quando um hotel fala que é acessível, porque é muito raro encontrar de fato um quarto acessível de acordo com as normas. Eles não costumam chegar nem perto do que deveriam ser.
Que medidas você toma antes de viajar pra evitar problemas?
São medidas relacionadas a planejamento e pesquisa. Peço fotos ao hotel, faço um mapa indicando onde vou encontrar um banheiro acessível, onde vou encontrar comidas que gosto em locais acessíveis. Entro em contato com blogueiros que moram na região e algumas vezes eles me indicam motoristas.
Outra medida que eu tomo pra evitar problemas é manter minha saúde em dia, especialmente no que diz respeito à atividade física e alimentação. Isso é verdade pra qualquer pessoa, mas especialmente pra quem tem alguma deficiência física: se você faz atividades físicas e seu intestino funciona com regularidade, sua viagem vai ser menos penosa, por exemplo.
Fazer um check-up médico periódico também é fundamental pra qualquer pessoa. Ele precisa ser feito pra gente não correr riscos, porque tratar de determinados processos fora do país pode ser muito complicado.
Não saio de casa sem fazer um check-up médico e odontológico e levo uma farmacinha sempre na bagagem de mão, porque tem medicamentos que não encontramos lá fora.
Que dificuldades já sofreu em termos de acessibilidade?
É até difícil mencionar, tamanha a quantidade de dificuldades que já sofri em aeroportos, hotéis e nos destinos. Muita coisa em termos de acessibilidade é “maquiada”.
No aeroporto, as dificuldades dizem respeito a perder a autonomia. Mesmo que a gente consiga se locomover sozinho, em muitos aeroportos isso não é permitido. Perdemos autonomia pra comprar um lanche, ir ao toalete, ir no duty free; precisamos sempre esperar alguém pra nos acompanhar. Já aconteceu comigo e com outras pessoas que conheço de o funcionário “desaparecer” e você ter que se virar.
Também sofri muita dificuldade em hotéis por dizerem que são adaptados e até mandarem fotos, e ao chegando lá descobrir alguma coisa que não estava prevista. AirBnb é uma tragédia, porque você tem que fazer muitas perguntas. Você pergunta qual é a medida da largura da porta do banheiro e descobre que a cadeira não passa, por exemplo.
Em Porto, Portugal, me informaram que o teleférico era acessível. De fato dá pra ir de metrô, o metrô é acessível e tem uma rampa pra chegar lá, mas o teleférico não para pra você entrar. Então eu quase tive um acidente, porque a pessoa que me colocou dentro do teleférico se desequilibrou e minha cadeira de rodas quase caiu por causa disso, e eu ia cair junto. Já caí em viagens por causa de coisas mal feitas, e não só no Brasil; no exterior também.
Dos lugares que já visitou, pode mencionar alguns que se destacam positivamente em termos de acessibilidade?
O Rio de Janeiro recebeu diversas intervenções pra as paraolimpíadas e aí a gente vê que quando uma cidade quer investir na acessibilidade, ela consegue fazer um trabalho bem feito.
São Paulo tem boa oferta de equipamentos culturais com acessibilidade, mas no quesito hotéis é mais complicado. É difícil encontrar um hotel que fique num lugar plano, em que as calçadas não sejam esburacadas, com acesso adequado e um quarto adequado. E se não temos hotel ou transporte público adequados, fica difícil chegar àquela programação cultural.
Fora do Brasil, gostei bastante de conhecer NY, embora os bairros acessíveis sejam somente os mais turísticos. Os mais afastados de Midtown não têm rebaixamento de calçada, calçadas de qualidade e hotéis acessíveis, por exemplo.
Londres também é um bom exemplo. Talvez até melhor que Nova York, porque o metrô funciona melhor e os ônibus são muito confortáveis pra os cadeirantes.
E negativamente?
São tantos os lugares que oferecem obstáculos que é até difícil mencionar. As cidades históricas do Brasil, por exemplo, não costumam receber atenção nesse sentido.
Paraty é uma delas: queria muito ir à Flip, mas é impossível. Em Ouro Preto é possível encontrar alguma coisa em termos de acessibilidade no turismo, mas em Tiradentes não tem praticamente. Diria, por alto, que cidades históricas e praias estão entre os destinos mais desafiadores.
Quais são suas principais dicas pra pessoas com deficiências de locomoção que têm receio de viajar?
Planejamento é tudo pra uma pessoa com deficiência, principalmente pra quem tá começando a desbravar o mundo. Outra coisa importante é trabalhar o autoconhecimento, pra saber do que você dá conta.
É claro que a gente vai expandindo nossos limites e dando conta de cada vez mais coisa, mas é preciso levar em consideração o próprio corpo, as próprias condições, sem querer fazer o que o outro faz.
Cada um tem que ter consciência do que é confortável pra si, e isso vale pra pessoas com deficiência ou não. Por exemplo, tem gente que gosta de fazer 10 cidades em 10 dias, e eu gosto de fazer 10 dias em uma cidade. Eu prefiro conhecer um lugar com mais calma, interagir com as pessoas, não ter pressa pra nada. Isso pra mim é importante, então isso tem que fazer parte do meu planejamento.
No caso das pessoas com deficiência, é preciso entender e ser sincero com relação aos seus limites. Eu tenho condições de fazer transferência da cadeira de rodas pra o vaso sanitário, preciso de um banheiro totalmente acessível ou pode faltar alguma coisa?
Cada caso é um caso. E com mais planejamento, principalmente a partir de relatos de outros cadeirantes, a pessoa tende a se sentir mais segura pra dar os primeiros voos.
Pra saber mais sobre acessibilidade no turismo e conferir dicas específicas de destinos no Brasil, Europa, América do Norte, América do Sul e Caribe, acesse o blog Cadeira Voadora.
Todas as fotos que ilustram o post pertencem ao acervo pessoal de Laura Martins e foram cedidas para publicação no Janelas Abertas.
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