Outrofobia: livro aborda privilégios, racismo e feminismo de forma simples e direta
Mais do que de paisagens, o mundo é feito de pessoas. Por isso, vim falar aqui de uma leitura que não é “de viagem”, mas que diz muito sobre como vemos o mundo – ou mais especificamente o outro, o diferente. Na verdade, eu precisava falar sobre o livro Outrofobia, de Alex Castro, como uma pequena contribuição pra que ele alcance algumas pessoas a mais.
Atualização em novembro de 2018: aparentemente o livro está esgotado, mas encontrei pra vender um usado no site Estante Virtual, marketplace de sebos Brasil afora.
Eu descobri a existência do livro depois de ler este texto de Alex Castro publicado no Papo de Homem, em que ele fala de cavalheirismo de um jeito que eu há muito tentava falar pra fazer alguns amigos entenderem por que não curto certas “gentilezas” que, na verdade, são mais uma face do machismo.
Gostei da forma como ele escreve, que torna os argumentos mais claros do que eu conseguia tornar, e fiquei a fim de ler mais. Outrofobia, o livro, traz uma compilação de textos de Alex publicados na coluna de mesmo nome no portal da Revista Fórum e vem pra dar uma cutucada em todos nós.
Outrofobia s.f. rejeição, medo ou aversão ao outro. Termo genérico utilizado para abarcar diversos tipos de preconceito ao outro, como machismo, racismo, homofobia, elitismo, transfobia, classismo, gordofobia, capacitismo, intolerância religiosa, etc.
Pra mim é fácil me identificar com o feminismo branco e cis, mas e todas as lutas que outras pessoas vivem? Acredito que estamos sempre num processo de construção de quem somos e que nesse processo é essencial olhar pra dentro e ao redor de nós e analisar os comportamentos outrofóbicos e opressivos que foram naturalizados tanto a nível pessoal quanto nas estruturas da sociedade brasileira. O livro de Alex serve, então, pra nos ajudar a superar o umbiguismo e questionar fatos históricos e cotidianos que tornam o mundo extremamente injusto.
“Vivo em um mundo onde as cenas cotidianas que mais me enchem de horror são vistas com normalidade por quase todas as pessoas à minha volta. A exploração, a desigualdade, o racismo, a transfobia. Tudo aceitável e dentro dos padrões do bom funcionamento da sociedade”, disse o autor numa entrevista ao site Geledés. “Somos todas hospedeiras da outrofobia, mas não precisamos ser vetores”, acrescentou. Ou seja: vamos rever nossas ações e nosso discurso pra não espalhar mais discriminação e opressão por aí, né?
A expressão constitucional “todas as pessoas são iguais perante a lei” é mais corretamente interpretada: “tratar diferentemente as pessoas desiguais para que tenham acesso equivalente ao direito que a lei confere a todas as pessoas”.
O livro é dividido em três partes: racismo, feminismo e privilégios. Na primeira, o autor fala da tendência que temos de apagar a escravidão da nossa memória. Ele traz alguns dados sobre o Brasil escravagista, reflete sobre o falso mito de “democracia racial” e faz um paralelo entre o genocídio africano e indígena e o Holocausto.
Afinal, por que não temos, ao visitar uma senzala, engenho ou pelourinho, a mesma atitude de respeito e reflexão que temos ao visitar lugares como Auschwitz? Por que achamos natural a existência de um motel chamado Senzala (que fica a 15 minutos da minha casa), por exemplo?
Na segunda parte, Alex tenta desmistificar concepções distorcidas sobre a luta feminista, da falsa simetria que se faz entre machismo e feminismo a um resumo da história das conquistas femininas no Brasil (que são super recentes), passando pelo machismo que é inculcado durante nossa criação e explicando como dizer pra uma pessoa que ela soa preconceituosa. Bem útil pra lidar com aquele tio que faz piadas machistas no churrasco de família, viu?
Tanto homens quanto mulheres introjetam o machismo, mas se apropriam dele de forma assimétrica: para os homens, algumas desvantagens e várias vantagens; para as mulheres, praticamente só desvantagem.
A última seção do livro é dedicada aos privilégios, ressaltando a importância da empatia e de reconhecer como fomos favorecidos por sermos hétero, cis, brancos, classe média/alta ou o que quer que se aplique a você, pra assumir a responsabilidade de ajudar quem não tem os mesmos privilégios.
É comum, lembra ele, ouvir pessoas privilegiadas reclamarem que militantes são agressivos. “Mas é fácil ser uma pessoa calma e tranquila quando se está sentada no topo da pirâmide”, aponta. Vai dizer que você não se exaspera quando se sente injustiçado? Vai dizer que não ia gritar se visse atos de opressão acontecendo com você e à sua volta todos os dias?
Poucos conselhos são mais perversos e canalhas do que o popular “trate as outras pessoas como gostaria de ser tratada”. Não é verdade. Sabe por quê? Porque a outra pessoa é uma outra pessoa. Porque ela teve outra vida, outras experiências. Porque ela tem outros traumas, outras necessidades. Basicamente, porque ela não é você; porque você não é, nem nunca vai ser, nem deve ser, a medida das coisas.
O baralho do mundo tá viciado, conclui Alex. Pra trocar de baralho, é preciso desconstruir diariamente um monte de coisas que nos parecem naturais. Nossos preconceitos e crenças culturais, classistas, institucionais, familiares. Como lembra o autor, todos crescemos em uma sociedade outrofóbica e somos potencialmente preconceituosos. Por isso, devemos sempre vigiar não nossa “essência”, mas nossas ações cotidianas, que moldam quem somos.
O grande trunfo de Alex Castro é sua habilidade de ser simples e direto, usando argumentos bem embasados e de fácil compreensão. Ele escreve de forma didática e fluida, prendendo a atenção do leitor como estivéssemos numa conversa. Por isso, minha vontade era de comprar dezenas de cópias desse livro e espalhar por aí. Outrofobia devia ser leitura obrigatória pra alunos de Ensino Fundamental e Médio. Ou pra todo ser humano.
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4 Comentários
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Resenha muito bacana! Adquiri o livro! Leitura indispenásavel!
Que bom que você curtiu a resenha e o livro, Mauricio! Acho muito bom mesmo :) Um abraço e obrigada por comentar!
Excelente dica de leitura. Mais um pra lista! Nos dias de hoje, onde pessoas se informam através de memes e whatsapp, leituras assim estão fazendo muita falta.
Oi, Itamar! Que bom que você gostou do post :) Adoro esse livro e recomendo muito! Realmente é uma leitura especialmente importante nos tempos atuais. Espero que você goste e espalhe por aí também ;) Um abraço!